Formação do contrato. Pluralidade. Resolução do contrato

FORMAÇÃO DO CONTRATO. PLURALIDADE. RESOLUÇÃO DO CONTRATO
APELAÇÃO Nº
669/10.8TBGRD.C1
Relator: SÍLVIA PIRES
Data do Acordão: 17-12-2014
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA – 1º JUÍZO
Legislação: DECRETO-LEI 178/86, DE 3 DE JULHO.
Sumário:

  1. Assumindo as relações entre Autora e Ré, relativas à comercialização de produtos produzidos pela Ré no distrito de Setúbal, características típicas de um contrato de transporte, quando os clientes eram grandes superfícies; de um contrato de concessão comercial, quando os clientes eram pequenas superfícies, que pagavam a pronto; e de um contrato de agência, quando os clientes eram pequenas superfícies que pagavam a crédito, estamos perante uma formação contratual complexa plural.
  2. Existindo diferentes graduações na unitariedade ou na pluralidade das formações contratuais complexas, neste caso pode-se dizer que estamos perante três negócios jurídicos perfeitamente autónomos, mas que o facto de se inserirem num plano global de utilização da actividade da autora para a comercialização dos produtos da Ré no distrito de Setúbal, conferem-lhe ainda um grau de unidade que pode ter reflexo no tratamento jurídico destes contratos.
  3. O contrato que não têm por objecto uma única prestação isolada (one-shot deal), assumindo-se como um contrato relacional duradouro de eficácia sucessiva, do qual nascem reiteradas obrigações diferenciadas, não se tendo apurado a fixação de qualquer prazo para a sua vigência, com vista a não se permitir uma vinculação inde­finida a obrigações contratuais que contraria o direito à liberdade contratual, em regra aceita-se a desvinculação unilateral.
  4. Neste tipo de contratos os pressupostos da resolução com fundamento em incumprimento da contraparte devem ser compatibili­zados com o princípio da exigibilidade, pelo que o credor apenas pode resolver o contrato se o incumprimento imputável ao devedor tornar inexigível a subsistência da relação, o que se por um lado amplia os pressupostos resolutivos, acrescentando-lhe o requisito de exigibili­dade, por outro lado restringe-os, não sendo necessário, por exemplo, a verificação de um incumprimento definitivo, sendo suficiente que a gravidade do incumprimento torne inexigível a subsistência da relação contratual.
  5. Caso se considere que após o incumprimento contratual verificado não é exigível que a contraparte mantenha essa relação pela quebra de confiança que o mesmo objectivamente provoca, na medida em que gera o fundado receio da perma­nência da situação de inadimplência ou de futuros incumprimentos dos deveres do infractor, a resolução do contrato é legítima.
  6. Apesar da independência funcional dos diferentes contratos nessa forma­ção, dado que estamos perante “negócios de confiança”, nos quais avultam as facetas cooperativa e fiduciária, depositando o produtor o sucesso da sua actividade comercial e a reputação dos seus produtos nas mãos do “distribuidor”, o incumpri­mento reiterado da prestação de um dos contratos justifica não só a resolução desse contrato, mas também a dos restantes que a ele estão ligados no programa económico de distribuição dos produtos da Ré no distrito de Setúbal, uma vez que esse compor­tamento estende a perda de confiança e a consequente inexigibilidade de manutenção dos vínculos contratuais a todo o complexo económico-negocial em causa, operando aqui o princípio simul stabunt, simul cadent.

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