Exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora – António Abrantes Sanches Geraldes

 

António Abrantes Sanches Geraldes
Ex-Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra

 

EXEQUIBILIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA QUANTO AOS JUROS DE MORA

1. É frequentemente negado ao credor o direito de, a partir de uma sentença que condena o devedor no pagamento de determinado capital, exigir a cobrança coerciva de juros de mora, mesmo os vencidos a partir do seu trânsito em julgado.

 

A justificação apresentada parte da aplicação directa do nº 1 do art. 45º do CPC, considerando que a falta de alusão à obrigação de juros moratórios retira à sentença a exequibilidade nessa parte. Uma vez que de acordo com tal preceito o título executivo esgota os fins e os limites da acção executiva, é vedada ao credor a cobrança coerciva desses juros, mesmo nos casos em que a existência de mora, por falta de pagamento atempado da obrigação principal, seja inequívoca.

 

O resultado prático traduz-se no seguinte: malgrado a verificação da mora, se o credor pretender ser compensado dos prejuízos suportados, através da indemnização forfaitaire correspondente aos juros legais supletivos, só tem como solução demandar novamente o devedor em acção declarativa de condenação e, nesta outra acção, depois de alegar os factos integradores do seu direito, formular o pedido de condenação no pagamento dos juros de mora, a fim de obter o imprescindível título executivo que inclua esta obrigação acessória.

 

Ainda que esta tese seja dominante na jurisprudência, não me revejo nela. Os argumentos tecidos em sua defesa ou se apresentam com um pendor acentuadamente formal, assentes exclusivamente na letra daquele preceito, ou, de tão superficiais, não me persuadem.

 

Neste, como noutros campos da aplicação judiciária do direito, julgo inadequada a sustentação de soluções jurídicas com base em argumentos formais que não conseguem disfarçar o seu pendor burocratizante. Depois, há que discutir se a cristalização daquela interpretação não constituirá, porventura, a interiorização de uma postura de base fundamentalmente dogmática e conceptualista, em desacordo com novos elementos normativos ou com outros critérios legais de interpretação que não sobrelevem tão alto aspectos de ordem literal.

 

2. O incumprimento de uma obrigação de natureza pecuniária determina para o devedor a constituição em mora, cujo ressarcimento, na falta de outra convenção, é conseguido através do pagamento dos juros à taxa legal.

 

Assim, independentemente da prova concreta de prejuízos decorrentes da falta de disponibilidade do capital por parte do credor, a simples verificação da mora determina para o devedor esta obrigação sucedânea, sem embargo da possibilidade de alegar e comprovar a ocorrência de prejuízos em montante mais elevado, nos termos do art. 806º, nº 3, do CC.

 

A mora constitui-se, em último caso, quando o devedor seja interpelado para cumprir. Por isso, sem embargo de a mesma preexistir, é indubitável que a mora se verifica quando o devedor é notificado da sentença condenatória. E está arredada qualquer possibilidade de evitar as suas consequências quando essa sentença, com o trânsito em julgado, fixa definitivamente o conteúdo da obrigação.

 

Porém, considerando que o juiz, quando profere a sentença, está condicionado pelo pedido formulado, só poderá condenar o devedor nos juros de mora vencidos e vincendos se esta pretensão tiver sido formulada na petição inicial ou, ao menos, em requerimento posterior, nos termos do art. 273º, nº 2, do CPC.

 

A limitação constante do art. 661º, nº 1, do CPC, representa, assim, um reflexo do princípio do dispositivo. Subsequentemente, na decorrência do mesmo princípio, agora em sede do processo executivo, também a atendibilidade da obrigação de juros supõe a iniciativa do exequente, nos termos do art. 805º do CPC, formulando o pedido de cumprimento coercivo da quantia correspondente aos juros vencidos e aos vincendos, até à liquidação.

 

Todavia, nenhum destes preceitos responde ainda à questão formulada e que se encaixa entre esses dois momentos, traduzindo-se na apreciação da executoriedade da sentença quanto aos juros de mora posteriores ao trânsito em julgado, malgrado estes não figurarem expressamente do seu texto.

 

3. Note-se que a questão atinente à exequibilidade da obrigação de juros apenas releva quando a execução se funda em sentença condenatória.

 

Por expressa previsão normativa, não se suscitam quaisquer dúvidas quando a execução se funda em letra, livrança ou cheque, casos em que é a própria lei (respectivamente o art. 48º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças e o art. 45º da Lei Uniforme Sobre Cheques) a permitir que, a par do capital, se exijam, mesmo em sede executiva, os juros de mora à taxa supletiva.

 

E ainda que a solução não apresente a mesma inequivocidade, semelhante juízo deve ser formulado quanto aos demais documentos extrajudiciais que sejam dotados de exequibilidade.(1)

 

Com efeito, resultando do art. 46º, als. b) e c), do CPC, a exequibilidade quando esses documentos reflictam a “constituição ou reconhecimento” de obrigações de natureza pecuniária, basta associar o conteúdo da declaração, na parte correspondente ao montante do capital e à exigibilidade da obrigação principal, para extrair, por mera indução, a constituição e a quantificação da obrigação acessória: montante dos juros = (capital x taxa de juros x tempo).

 

Por isso, colocados perante documento integrando um contrato de mútuo, mesmo que nele apenas se tenha explicitado a obrigação de pagamento do capital em determinada data, é legítima a cobrança coerciva da quantia correspondente aos juros moratórios à taxa legal, a contar da data fixada para o cumprimento da obrigação principal. Basta a constatação de que decorreu o prazo para que se assuma a “constituição” da obrigação de juros.

 

Esta solução é contrariada, embora sem explicação das razões, por Teixeira de Sousa.(2) Também no Ac. da Rel. do Porto, de 18-3-93, in CJ, tomo I, pág. 236, se decidiu que o título executivo (no caso, uma escritura de cessão de quotas onde se fixaram prestações a cargo do cessionário) só tem força executiva relativamente aos juros moratórios se tal obrigação tiver sido convencionada e figurar no documento.

 

Por seu lado, Lopes do Rego sustenta a extensão da exequibilidade aos juros de mora apenas “de lege ferenda“, na defesa de medidas destinadas a descongestionar o processo declaratório, quando preconizava que “as exigências práticas levarão a consentir a introdução de excepções, pelo menos … em caso de débito acessório de juros de mora, não constante do título executivo dado à execução …”. Para isso sugeria uma solução em que na fase liminar do processo de execução se alegassem os factos em termos semelhantes ao que ocorre em caso de liquidação ou de determinação da quantia exequenda.(3)

 

Mas não encontro razão para aquelas objecções nem para esta exigência suplementar. Se as mesmas poderiam encontrar alguma justificação na anterior redacção do art. 46º, al. c), do CPC, quando nele se pressupunha que a obrigação “constasse” do documento particular, já não se justificavam face a documentos exarados ou autenticados por notário, na medida em que o art. 50º apenas impunha que tais documentos “comprovassem” a existência da obrigação, o que, quanto aos juros de mora, seria manifesto.

 

De todo o modo, a posterior evolução normativa retirou razão de ser àquele primeiro argumento, já que em relação a quaisquer documentos extrajudiciais basta que “importem a constituição ou reconhecimento” da obrigação de natureza pecuniária para que se reconheça a sua exequibilidade, permitindo, assim, envolver, sem dúvida alguma, a obrigação de juros.

 

É este juízo que leva Lebre de Freitas a afirmar nada impedir que, “no caso de título extrajudicial do qual conste uma obrigação pecuniária, se peçam juros de mora legais (art. 806º do CC), não obstante o título apenas referir o capital”, com o pertinente argumento de que a “dívida de juros decorre da própria lei, posta em confronto com o título”.(4)

 

Em conclusão, fundando-se o pressuposto processual específico da acção executiva – o título executivo – na presunção da existência do direito que lhe subjaz, a eficácia executiva abarca, naqueles casos, igualmente os juros de mora em resultado da conjugação dos diversos preceitos de natureza substantiva que servem para constituir e quantificar a respectiva importância.

 

Porventura, por detrás da aparência resultante da simples análise dos elementos documentais, podem existir razões que infirmem o alegado direito de indemnização. Basta por exemplo, que, contra o alegado pelo exequente ou sugerido pela mera leitura do documento, se verifique que foi o credor que se constituiu em mora ou que ocorre a excepção de não cumprimento do contrato.

 

Só que esses factores, meramente eventuais e que podem encontrar-se mesmo em casos insuspeitados como aqueles que estão cobertos por sentença condenatória, não interferem no mencionado pressuposto processual da exequibilidade em toda a extensão assinalada.

 

Depois, nestes e noutros casos, está sempre aberta a possibilidade de o executado invocar os meios de defesa em sede de embargos. Ainda que a realidade não corresponda inteiramente à aparência, tal facto é insuficiente para eliminar a possibilidade de o documento servir de instrumento para a realização coerciva do direito de crédito.

 

4. Afastada desta problemática estão ainda os juros compulsórios.(5)

 

Segundo o disposto no art. 829º-A, nº 4, do CC, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente são devidos automaticamente juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado.(6)

 

Com tal figurino, estes juros não visam a remuneração do capital, nem sequer se destinam a satisfazer qualquer indemnização moratória, antes desempenham a função de compulsão do devedor ao cumprimento.(7) Só colateralmente importam para o credor uma compensação adicional pelos prejuízos resultantes da indisponibilidade do capital.(8)

 

Atentos os pressupostos da sua constituição, logicamente esses juros não constam da sentença condenatória.(9) Por isso, poderão ser exigidos no processo executivo subsequente ao seu trânsito em julgado.

 

5. Feitas estas considerações que me parecem importantes para circunscrever e contextualizar a questão que me propus abordar, cumpre então averiguar se, quanto aos juros de mora posteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória, (10) a sua expressa inserção na parte decisória será requisito da sua exequibilidade.

 

Tal exigência foi assumida no Ac. do STJ, de 19-1-84, in BMJ 333º/386, segundo o qual “não é de admitir a execução por quantia de juros vencidos e vincendos, a título de indemnização pela mora, não fundada em título exequível, quer no início quer no decurso da instância executiva”. A ela se aderiu também no Ac. do STJ, de 9-11-95, in BMJ 451º/333, segundo o qual “não constando do acórdão que serve de base à execução para o pagamento de quantia certa a condenação do executado no pagamento de juros moratórios existe, quanto a esse pedido, falta de título, pelo que não é admissível a execução por tal prestação”.(11)

 

No mesmo sentido se pronuncia Lebre de Freitas, para quem “quando o título é uma sentença condenatória, que define o conteúdo do direito nos limites do pedido (art. 661º) e constitui caso julgado nos limites da decisão (art. 673º), não é admissível, com base nela, pedir juros, quando o objecto da condenação tenha consistido apenas numa obrigação de capital”.(12)

 

Solução diversa foi, porém, a adoptada no Ac. da Rel. de Lisboa, de 6-1-88, in CJ, tomo I, pág. 151, segundo o qual “os juros devidos pela mora no pagamento da indemnização por factos ilícitos podem ser pedidos na execução da sentença-crime respectiva, mesmo que deles não constem, por a sua exigibilidade resultar ope legis do simples facto do não cumprimento atempado da obrigação de reparar o prejuízo causado”.(13)

 

6. Pese embora a quantidade de decisões que se debruçaram sobre a questão, é generalizada a ausência de argumentação convincente.

 

A jurisprudência, maxime, a emanada do Supremo Tribunal de Justiça, desempenha uma função que não se limita a definir a solução do pleito, com a autoridade formal inerente à posição relativa que esse órgão ocupa na pirâmide dos tribunais judiciais. Ao invés, a função doutrinadora que a lei lhe cometeu constitui o elemento diferenciador, para o que se impõe que as decisões sejam acompanhadas da necessária argumentação que possa provocar, por via do convencimento, a espontânea adesão dos restantes tribunais e dos juristas em geral.

 

O que se constata é que a motivação apresentada naqueles arestos, circunscrita à aplicação do art. 45º, nº 1, do CPC, aposta em argumentos de cariz meramente formal (e literal) que não esgotam os elementos a que pode aceder-se no exercício da tarefa de interpretação e de aplicação judiciária do direito.

 

7. Justifica-se a rejeição da exequibilidade reportada aos juros vencidos antes da sentença de condenação ou, ao menos, aos vencidos antes do seu trânsito em julgado.

 

Esse será o resultado de uma opção do credor que, apesar de ter o ónus de solicitar a expressa condenação do devedor, na petição ou através de requerimento amplificador, até ao encerramento da discussão em primeira instância, se tenha abstido, nada justificando que, apesar disso, pudesse envolver na subsequente execução coerciva essas prestações complementares.

 

Mas já me parece que o mesmo juízo não pode ser automaticamente transposto para os juros de mora subsequentes.

 

Tratando-se de sentença condenatória no pagamento (imediato) de um determinado capital, a partir do momento em que a condenação se torne definitiva, a obrigação de juros emerge da simples conjugação entre o teor da sentença e as normas dos arts. 805º e 806º do CC.

 

Ora, se, como anteriormente se enunciou, quando a obrigação pecuniária está integrada num documento extrajudicial, este é bastante para suportar, a par da obrigação principal, o cumprimento coercivo dos juros de mora, não encontro razões que justifiquem a recusa de semelhante solução para casos em que a obrigação de capital é representada num título executivo judicial.(14)

 

8. A par da letra da lei, a hermêutica não prescinde da intervenção de outros elementos, nem dispensa a auscultação e apreciação crítica dos resultados que se alcançam por qualquer das vias interpretativas.

 

Assim, como elemento de prevenção contra a assunção daquele entendimento maioritário, não pode deixar de causar estranheza que se alcance através de documentos de natureza extrajudicial, rodeados de menores formalidades e de menores garantias de segurança, um resultado mais favorável do que aquele que se faz derivar de títulos formados no âmbito de processos judiciais, depois de ser respeitado o contraditório.(15)

 

É elucidativa a comparação entre resultados obtidos a partir de uma sentença homologatória de transacção judicial, de acordo com o art. 300º do CPC, e aqueles que se alcançam através de um documento que traduza um contrato de transacção, nos termos dos arts. 1248º e segs. do CC.(16)

 

Com frequência, na pendência de uma acção judicial, as partes, por sua iniciativa ou por impulso do juiz, estabelecem uma transacção quanto ao objecto do processo, prescindindo da emissão de uma sentença que conheça do mérito das respectivas pretensões, acordo que muitas vezes se traduz na fixação de uma obrigação de pagamento de determinada quantia, em certa data.

 

O contexto que envolve acordo e o facto de estar presente a vontade de ambas as partes porem termo ao conflito leva a que, regularmente, nem uma nem outra se fixem na previsão de uma cláusula que, a pretexto do eventual incumprimento da obrigação, determine a aplicação de uma sanção específica ou a mera remissão para a taxa de juros supletiva.

 

Ora, verificado o incumprimento dessa obrigação, por razões imputáveis ao devedor, justificar-se-á a negação da exequibilidade da sentença quanto aos juros moratórios só porque, de modo expresso, as partes nada clausularam a esse respeito?

 

Se quando as partes, fora de qualquer processo judicial, celebram um contrato de transacção, não se deve questionar que, uma vez vencida a prestação, correm por conta do devedor os juros de mora, podendo o credor promover a execução coerciva da obrigação respeitante ao capital e aos referidos juros, não se encontram motivos que levem a uma resposta diversa quando a transacção seja formalizada no âmbito de um processo judicial.

 

Dir-se-á, em defesa dessa exigência, que, não tendo o credor revelado a necessária (rectius, a máxima) diligência na regulação dos seus interesses, deverá suportar as respectivas consequências, sendo-lhe exclusivamente imputável a limitação da exequibilidade à obrigação referente ao capital.

 

Mas trata-se de uma resposta assente em meros juízos lógico-formais e que, contra a ordem natural das coisas, faz recair sobre o credor a responsabilidade de, a todo o custo, se prevenir em relação a um eventual incumprimento do devedor, apesar de, no contexto em que a transacção surge, se mostrar improvável o evento que acabou por se verificar.

 

Esta solução, além de não conseguir ocultar o excessivo formalismo que a integra, também não disfarça a desconsideração dos factores de ordem subjectiva que em geral se apresentam no momento em que ambas as partes prescindem da intervenção jurisdicional e dão o seu acordo ai estabelecimento de “recíprocas concessões” que, nos termos do art. 1248º, nº 1, do CC, traduzem o conteúdo de uma transacção.

 

Naquelas circunstâncias, é perfeitamente natural alguma reserva do credor em relação à expressa previsão de uma sanção correspondente ao incumprimento, mesmo quando, como sucede relativamente aos juros, a sanção moratória resulta directamente da lei, na medida em que pode impedir a concretização do acordo, atento o clima de desconfiança que introduz.

 

Insofismável é que, perante uma tal transacção, resulta inequívoca não apenas a constituição e a quantificação da obrigação pecuniária, mas também a vinculação do devedor a uma data precisa. O mais, ou seja, as consequências do eventual incumprimento, na falta de expressa previsão, emerge da lei supletiva, parecendo dispensável a previsão de um efeito que a própria lei determina.

 

Note-se que uma eventual resposta negativa, apoiada apenas na letra do art. 45º, nº 1, do CPC, não elimina a obrigação de juros moratórios, estando sempre aberta ao credor a possibilidade de instaurar uma acção de condenação, onde pouco mais necessitará de alegar do que aquilo que, a todos os títulos, já está comprovado pelo título executivo anterior: a data de vencimento da obrigação e o seu incumprimento.

 

Não encontrei naquelas decisões ou nos elementos doutrinários qualquer razão atendível que possa conduzir à assunção de um tratamento discriminatório em desfavor precisamente do título que se apresenta rodeado de maior solenidade, propiciadora de maiores garantias quanto à certeza de todos os elementos imprescindíveis à exequibilidade de uma pretensão. Se razões houver para distinguir, sempre devem sair privilegiadas as transacções obtidas no âmbito de um processo judicial, sujeitas à homologação judicial.

 

9. Os argumentos expendidos em relação à transacção podem ser integralmente transpostos para uma situação em que a instância de extinga por confissão do pedido traduzido na obrigação de pagamento (imediato) de uma determinada quantia.

 

Face à correspondente sentença homologatória, que sentido fará uma exigência que implique a expressa previsão da obrigação de juros quando a mesma resulta inequívoca da conjugação entre o teor da homologação e as normas de direito substantivo que se reportam a essa obrigação acessória?

 

Não encontro qualquer argumento de ordem racional que imponha uma tal solução. Ao invés, a constatação de que a exequibilidade da obrigação de juros está presente quando a declaração confessória, em vez de ser assumida perante o tribunal, é exarada em documento autêntico ou autenticado ou mesmo em documento particular, impele a que a resposta à questão não se cinja ao argumento de ordem literal extraído do art. 45º, nº 1, do CPC.

 

10. Outros exemplos favorecem a pendência dos pratos da balança argumentativa no sentido da extensão dos efeitos executórios da sentença condenatória.

 

Vejamos:

 

Relativamente a certas obrigações ilíquidas previstas no art. 805º, nº 3, 1ª parte, do CC, o devedor só se constitui em mora a partir da quantificação judicial. Noutros casos, especialmente quando se trata de obter o ressarcimento do dano-morte ou de danos morais, a quantificação é feita, dentro dos limites peticionados, com recurso à equidade. E ainda que o credor possa pedir simultaneamente a condenação em juros de mora desde a citação,(17) natural é que o lesado se fixe na obrigação principal, sem curar imediatamente dos juros posteriores.

 

Em qualquer das situações, urge questionar se, uma vez fixada a indemnização, se justificar a recusa da exequibilidade da sentença a partir da aplicação singela

 

A essa conclusão poderá conduzir, mais uma vez, a aplicação literal do art. 45º, nº 1, do CPC.

 

No entanto, malgrado a ausência de qualquer referência formal aos juros de mora futuros, é inequívoco que a sentença apresenta, quanto ao capital, e também quanto à obrigação de juros, os níveis de certeza e de segurança que devem constituir o lastro de qualquer título executivo, parecendo um “luxo” perfeitamente dispensável a dependência da sua cobrança coerciva da instauração de uma outra acção declarativa tendente a obter a expressa condenação no cumprimento de uma obrigação que, todavia, já se apresenta certa e segura.(18)

 

11. A tese contrária (assente apenas no argumento literal já por diversas vezes referido) não atribui qualquer relevo às importantes modificações que ocorreram em matéria de definição dos contornos da exequibilidade intrínseca dos títulos extrajudiciais, nem atende à natural evolução da doutrina que a esse respeito tem sido produzida, influenciada cada vez mais pelo protagonismo que vem sendo atribuído atribuído aos factores da celeridade e eficácia dos mecanismos processuais.

 

Parte-se do pressuposto de que a expressa previsão da obrigação constitui um requisito imprescindível em qualquer título executivo judicial, questão que está longe de ser pacífica, pelo menos desde que a doutrina começou a admitir a exequibilidade das chamadas sentenças de condenação implícita.

 

Na verdade, já Alberto dos Reis (que tantas vezes é injustamente acusado de conferir excessiva prevalência a aspectos de ordem formal, em detrimento de outros de natureza substantiva ou material) enunciava que não deveria confundir-se a expressão “sentenças de condenação” com “sentenças proferidas em acções de condenação“.(19) Servia esse aviso para alertar que mais do que ao revestimento formal, deveria atender-se ao conteúdo. E destinava-se ainda a justificar uma modificação que entretanto promovera no sentido de substituir a expressão “sentenças de condenação” anteriormente inserida na al. a) do art. 46º do CPC, pela expressão de conteúdo mais abrangente que ainda se mantém de “sentenças condenatórias“.

 

De todo o modo, já defendia que, malgrado a qualificação formal de uma sentença como constitutiva, não se afastava a possibilidade de servir de base a uma acção executiva destinada a materializar os efeitos jurídicos (constitutivos, modificativos ou extintivos) que dela resultavam ope judicis.

 

Esta visão pragmática do processo civil produziu os seus frutos quer na doutrina, quer na jurisprudência.

 

Tanto assim que Anselmo de Castro, reportando-se ao processo executivo para entrega de coisa certa, sustentou que a sentença constitutiva poderia assumir-se como título suficiente desde que contivesse implícita a obrigação.(20)

 

Mais preciso foi Ary Elias da Costa quando afirmava serem condenatórias e, portanto, exequíveis, as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impusesse a alguém determinada responsabilidade, o que aconteceria, nomeadamente, nas sentenças homologatórias de transacção ou de confissão.(21)

 

No mesmo sentido caminhou Lopes Cardoso, para quem bastava que na sentença ficasse declarada a obrigação para ser viável a instauração de processo de execução.(22)

 

Opinião idêntica à de Jorge Barata, segundo o qual “as sentenças proferidas em acções declarativas constitutivas serão títulos executivos quanto às obrigações laterais, eventualmente decorrentes do efeito jurídico imediato que elas produzem”.(23)

 

E, mais recentemente, a admissibilidade das sentenças de condenação implícita foi defendida por Teixeira de Sousa, para quem as sentenças que, “de forma implícita”, contenham um “dever de cumprimento”, podem ser dadas à execução, assim acontecendo quando o pedido de condenação, “se tivesse sido cumulado com o pedido de mera apreciação ou constitutivo”, formasse com este uma “cumulação aparente” por se referir à mesma utilidade económica.(24)

 

Também Remédio Marques aderiu à mesma solução, admitindo a execução de sentenças de onde apenas implicitamente resulte uma obrigação.(25)

 

O mesmo caminho, reportado à exequibilidade das sentenças de condenação implícita que com a questão sob análise apresenta um certo paralelismo, tem sido trilhado pela jurisprudência.

 

É o que resulta do Ac. do STJ, de 14-1-98, in BMJ 473º/270, no qual se decidiu que a sentença que reconhece a ilegalidade do despedimento e determina a reintegração do trabalhador constitui título suficiente para se promover a execução destinada a obter o pagamento dos quantitativos correspondentes aos salários que o trabalhador deixou de auferir entre o despedimento e o reinício de funções, tendo-se considerado que uma tal obrigação se encontra implícita naquela sentença (constitutiva no que concerne à anulação do despedimento e condenatória quanto à obrigação de reintegração no posto e local de trabalho).(26)

 

No Ac. da Rel. de Évora, de 14-7-88, in CJ, tomo IV, pág. 248, a respeito de uma decisão homologatória, mas em que não tinha sido emitida uma condenação expressa no cumprimento de uma obrigação, não deixou de se afirmar a exequibilidade da decisão, com a justificação de que basta que “dela resulte uma condenação, para a obrigação ficar declarada ou constituída”.

 

Neste quadro, é francamente minoritária a corrente que recusa esta interpretação, apostando na rigidez formal da sentença.

 

Assim ocorre com Lebre de Freitas para quem só nos casos em que haja condenação expressa pode ser instaurada acção executiva, uma vez que as sentenças constitutivas se esgotam por si só, nada mais restando delas depois de produzido automaticamente o efeito jurídico.(27)

 

É o mesmo entendimento que subjaz ao decidido no Ac. da Rel. do Porto, de 31-1-94, segundo o qual “só uma sentença declarativa de condenação pode servir de base a uma execução”.

 

12. Ainda que, como se referiu, esta polémica não possa ser confundida com aquela que se reporta aos juros de mora, é curioso notar que, sob um pano de fundo que muito se assemelha, a mesma jurisprudência ou a mesma doutrina que com tanto afinco e rigor formal negam a exequibilidade das sentenças condenatórias na parte referente aos juros de mora, acabam por atribuir prevalência aos aspectos de ordem substancial quando se trata de definir o âmbito da exequibilidade das sentenças constitutivas (ou mesmo as de simples apreciação).

 

O próprio Supremo Tribunal de Justiça, que noutros casos acaba por sacralizar a parte injuntiva da sentença e por assumir uma invariável correspondência com os seus limites formais, quando colocado perante situações bem mais complexas e susceptíveis de gerar maior conflitualidade, tem enveredado por uma solução, a que inteiramente adiro, no sentido de aproveitar ainda a mesma sentença para dela extrair, para além do direito de crédito que apenas implicitamente foi reconhecido, a força suficiente que permita avançar de imediato com uma acção executiva.

 

Assim se acaba por reconhecer, afinal, que o texto formal da sentença não esgota a definição dos direitos por ela reconhecidos, nem delimita, de forma inultrapassável, as suas capacidades quanto ao cumprimento coercivo das correspondentes obrigações.

 

Em suma, o mesmo órgão a quem compete definir, em última instância, o direito e de onde extravasa a doutrina que se comunica aos restantes tribunais, quando colocado sob um ângulo diverso acaba por extrair da mesma norma, ou seja, do art. 45º, nº 1, do CPC, uma leitura que se baseia em factores de ordem racional que servem para integrar o seu verdadeiro significado.

 

Assume, assim, uma postura dinâmica, em maior correspondência com a função que a Constituição e a lei atribuem aos tribunais, fazendo sobressair, por detrás da aparente rigidez da lei, um sentido que, além de não entrar em rota de colisão frontal com o elemento literal, dá cobertura a outros valores que o processo civil deve indiscutivelmente servir.

 

13. Efectivamente, resulta do art. 9º, nº 1, do CC, que tarefa de interpretação, para além de não se resumir à simplista leitura das leis, não prescinde da sua inserção sistemática, da análise da sua evolução histórica e da atendibilidade das circunstâncias específicas existentes no momento da sua aplicação.

 

A tarefa do intérprete consiste, pois, em encontrar a solução que resulta da ordem jurídica globalmente apreciada. Os tempos não são propícios a uma visão estritamente positivista que reduza a tarefa de aplicação do direito à detecção de uma norma isolada do seu contexto normativo e da evolução que entretanto se tenha verificado.

 

Por isso, à tese que tem sido predominante a respeito da questão da exequibilidade da obrigação de juros pode responder-se de diversas formas, de modo a retirar ao argumento literal – o único que aparentemente a sustenta – o relevo que lhe é atribuído.

 

A argumentação apresenta-se, assim, diversificada:

 

a) Por um lado, se é certo que o elemento literal parece favorecer aquela tese, a verdade é que a tese contrária não é abertamente contrariada se, a par do art. 45º, nº 1, se considerarem outras normas, a começar pela al. a) do art. 46º, quando nela se podem encaixar não apenas as condenações explícitas, mas igualmente as condenações de onde resulte implicitamente uma obrigação.

 

Neste contexto, uma solução que procure conjugar critérios de mera racionalidade com o elemento de ordem literal emergente do art. 46º, al. a), justifica-se tanto para admitir a exequibilidade das sentenças de condenação implícita, como para estender aos juros de mora o referido pressuposto.

 

Ainda que uma sentença que condena no pagamento imediato de determinado capital se não refira expressis verbis aos juros de mora posteriores, salta à vista o reconhecimento dessa obrigação, ao menos a partir do momento em que tal sentença se torna definitiva com o trânsito em julgado.

 

b) A evolução histórica dos preceitos referentes aos títulos executivos revela uma persistente intenção do legislador de abrandar nas exigências formais em detrimento da substância, assim se compreendendo as diversificadas intervenções legislativas que vêm ampliando os títulos executivos e dispensando cada vez mais o recurso à acção declarativa.

 

Essa desformalização foi logo sentida pela doutrina que da expressão “sentenças de condenação” foi retirando um conteúdo que não correspondia inteiramente ao elemento literal até ao ponto de defender, com louvável pragmatismo, a exequibilidade de sentenças em que a condenação apenas implicitamente se apresenta.

 

O legislador foi, aliás, respondendo favoravelmente aos avanços que a doutrina e a jurisprudência se permitiram, tanto assim que optou por restringir cada vez mais os casos em que se impunha o recurso a uma acção declarativa. Sempre que a experiência o permitiu demonstrar que determinados documentos transportam consigo um razoável grau de certeza e de segurança quanto à existência das obrigações neles mencionadas, não hesitou em conferir-lhes o necessário revestimento executivo que possibilita “abrir as portas da acção executiva” sem passar necessariamente pela intermediação do tribunal no âmbito de uma acção declarativa.

 

c) A última reforma processual reflecte, mais uma vez, uma opção do legislador no sentido da atenuação da rigidez em sede do pressuposto processual específico da acção executiva: o título executivo.

 

Para além do alargamento dos documentos extrajudiciais capazes de fundar a apresentação de uma acção executiva, também ocorreram modificações quanto aos aspectos atinentes à exequibilidade intrínseca.

 

A modificação tanto da al. b), como da al. c) do art. 46º do CPC, revela que o legislador, em relação aos documentos aí mencionados, não limitou a exequibilidade às obrigações que deles expressamente constem, bastando que por eles sejam constituídas ou reconhecidas, deste modo abrindo claramente a possibilidade de conjugar o conteúdo das declarações com os preceitos normativos de aplicação supletiva que sirvam para integrar a vontade das partes.

 

Destarte, resultando inequivocamente de uma sentença a imposição ao réu de uma obrigação de pagamento de quantia certa, deve sustentar-se a extensão da respectiva força executiva à subsequente obrigação de juros.

 

Assim, se um documento particular, assinado pelo devedor, em que se reconheça a existência de uma obrigação, constitui título executivo em relação aos juros, nos termos do art. 46º, al. c), não se encontram razões válidas que levem a regatear a exequibilidade imediata a uma sentença lavrada no âmbito de um processo onde impera o contraditório.

 

A função do título executivo é a de proceder ao acertamento do direito, de modo a tornar desnecessária uma actividade cognitiva do tribunal em sede da acção declarativa. Por isso, se perante o acto jurídico – sentença – for possível concluir que tal finalidade já se encontra assegurada, é de todo em todo desnecessária (ou inútil) a interposição de uma nova acção declarativa por se encontrar esgotado o que de relevante haveria que discutir e por existir ainda a possibilidade de introduzir nos embargos de executado alguma questão que porventura interfira na exigibilidade dos juros.

 

d) Não pode deixar de se invocar ainda o facto de toda a reforma do processo civil ter sido orientada pelo objectivo de conferir a este ramo de direito uma função efectivamente instrumental face ao direito substantivo, ao mesmo tempo que se realçaram os valores da celeridade e da economia processual.

 

Numa ocasião em que a morosidade da resposta judiciária constitui o principal alvo da críticas advindas da sociedade, aqueles que no sistema desempenham as tarefas de aplicação da lei não poderão deixar de integrar, no leque de argumentos, os que melhor reflictam os factores da eficácia e da economização de meios e de processos quando nada de útil se extraia dessa duplicação.

 

14. Dir-se-á, contra este entendimento, que a acção executiva não constitui o meio processual adequado a definir direitos; que a necessidade de um título executivo e a limitação da execução coerciva às obrigações nele inscritas de modo expresso assentam nos valores da certeza e da segurança jurídica; ou que se impõe que a sentença exequenda não deixe quaisquer dúvidas quanto ao âmbito do caso julgado material, delimitado pelo objecto do processo.

 

É verdade que ao título executivo é atribuída uma forte presunção quanto à existência do direito nele inscrito e da correspectiva obrigação. Só que a negação da exequibilidade quanto aos juros despreza o facto de que uma sentença, fixando uma obrigação de pagamento imediato de uma determinada quantia, permite agregar outros efeitos que emergem de normas supletivamente aplicáveis e que possibilitam considerar ainda a obrigação de juros: a presumida existência da mora (sendo certo que o art. 774º do CC determina supletivamente o local de cumprimento de obrigações pecuniárias correspondente ao domicílio do credor) e a data da sua constituição.

 

Aquela objecção terá justificação se, porventura, o credor pretender a atribuição de uma indemnização acrescida, nos termos do art. 806º, nº 3, do CC, ou a sua quantificação com recurso a uma taxa de juros que exija o apuramento de determinadas qualidades do credor (v. g. empresa comercial, para efeitos de aplicação da taxa de juros mais favorável). Constituirá ainda obstáculo a invocação, ex novo, da comercialidade substancial da dívida ou, ainda, a alegação de cláusula penal que conduza a um resultado mais favorável do que o resultante da simples aplicação da taxa legal supletiva de juros moratórios.

 

Todavia, já para as restantes situações sujeitas ao regime geral supletivo não se antolha que interesse de tal modo relevante deva ser prevenido mediante o recurso ao processo declarativo que não possa encontrar na tramitação da acção executiva o necessário apoio.

 

De facto, se algum motivo houver que colida com os efeitos resultantes da conjugação entre a sentença e as normas legais supletivamente aplicáveis, sempre ao executado será facultada a dedução dos correspondentes embargos onde invoque, por exemplo, a mora do credor (art. 813º do CC), a sua incapacidade jurídica para receber a prestação, a sua ausência (art. 841º do CC) ou a impossibilidade objectiva de cumprimento (art. 790º, nº 1, do CC).

 

15. Um outro obstáculo que pode, porventura, perturbar a solução que me parece mais correcta resulta do art. 829º-A, nº 4, do CC, segundo o qual os juros compulsórios “acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos“. A leitura de tal preceito parece revelar que os juros de mora só serão “devidos” se o seu reconhecimento explícito resultar da parte decisória da sentença.

 

Este argumento que nunca vi aduzido mas que, em tese, pode ser invocado, é facilmente rebatido. Basta considerar que tal preceito teve a virtualidade de permitir distinguir os juros moratórios dos juros compulsórios, realçando que estes se destinam a compelir o devedor a cumprir espontaneamente a sua obrigação.(28) E que não está afastada a possibilidade de a mora recair sobre o credor, e não sobre o devedor, ou de nem sequer haver mora de qualquer deles. Assim, em tais casos, tal como não haverá direito ao recebimento de juros compulsórios, também não poderá o credor pedir juros moratórios.

 

Mas acima de tudo pode responder-se que a inclusão daquele normativo visou tão só introduzir no nosso direito civil, ex novo, os juros compulsórios, sendo abusivo extrair dele qualquer elemento que sirva para solucionar a questão em análise.

 

16. Assim, e em conclusão:

 

a) A tese restritiva que tem sido geralmente assumida pela doutrina e pela jurisprudência, apresenta como único argumento o teor literal do art. 45º, nº 1, do CPC, desligando-se por completo de outros elementos de interpretação;

 

b) O art. 46º, als. b) e c), do mesmo diploma, reportando-se a títulos executivos desprovidos da solenidade que rodeia as sentenças condenatórias, confere exequibilidade aos documentos de cujo conteúdo resulte a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, pelo que o recurso supletivo às normas reguladoras da mora no cumprimento suporta, com o necessário grau de segurança e de certeza, a extensão da exequibilidade aos juros de mora;

 

c) Nenhum motivo existe para atribuir a uma sentença condenatória um âmbito de exequibilidade mais restrito do que o estabelecido para outros documentos, uma vez que a solenidade que rodeia a sua emissão garante com o grau de suficiência bastante os requisitos da certeza e da segurança que o devem acompanhar;

 

d) Também não existe motivo algum para privilegiar as sentenças proferidas em acção constitutiva, extraindo delas uma eficácia executiva quanto a obrigações implícitas, ao mesmo tempo que é negada em situações em que a constituição e a quantificação da obrigação são mais evidentes e em que as divergências são de mais difícil verificação;

 

e) Para situações excepcionais em que, porventura, contra o que aparentemente resulta da sentença, se verifique a inexistência da mora, sempre será possível ao executado deduzir embargos, como ocorre noutras situações em que, malgrado a inequívoca exequibilidade do título, haja motivos de oponibilidade à execução;

 

f) Na generalidade dos casos, a imposição ao credor do recurso a uma nova acção declarativa corresponde a uma exigência de todo injustificada, pois que, afinal, toda a matéria com interesse se encontra já suficientemente comprovada;

 

g) A ampliação aos juros de mora da força executiva conferida à sentença traz ainda vantagens em termos de celeridade e eficácia dos instrumentos processuais, permitindo economizar, sem riscos de insegurança, meios e procedimentos processuais;

 

h) Pese embora as considerações feitas, julga-se ajustada uma intervenção legislativa no sentido de clarificar a questão, prevendo expressamente a extensão da eficácia executiva aos juros de mora tanto nos títulos judiciais como nos extrajudiciais.(29)

 

Lisboa, Maio de 2001

 

António Santos Abrantes Geraldes

 

(Juiz de direito na Relação de Coimbra)
 

 

NOTAS

 

 (1) Tratando-se de injunção a admissibilidade da execução dos juros resulta clara da conju-gação dos arts. 21º e 13º, al. d), do regime procedimental aprovado pelo Dec. Lei nº 269/98, de 1 de Setembro.

 

(2) Acção Executiva Singular, pág. 66.

 

(3) A Reforma do Processo Civil, na Rev. Sub Judice, nº 5, 1993, pág. 34 e segs.

 

(4) Acção Executiva, 2ª ed. pág. 32, e CPC anot., vol. I, pág. 88.

 

(5) Cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 32, o Ac. do STJ, de 5-6-97, in BMJ 468º/315, os Acs. da Rel. de Lisboa, de 2-7-87, in CJ, tomo IV, pág. 125, e de 10-5-95, in CJ, tomo III, pág. 105, o Ac. da Rel. de Évora, de 11-4-96, in CJ, tomo II, pág. 279, e o Ac. da Rel. do Porto, de 9-5-91, in CJ, tomo III, pág. 228.

 

(6) Apesar do preceito aludir apenas à sentença condenatória, devem estar sujeitas ao mesmo regime as obrigações pecuniárias resultantes de qualquer outra decisão que explicitamente obri-gue o seu destinatária ao cumprimento de uma obrigação pecuniária: sentença homologatória de transacção judicial ou despacho saneador que conheça do mérito da causa, sem excluir sequer as decisões que, no âmbito dos procedimentos cautelares, imponham a obrigação de efectuar o pa-gamento de uma quantia, como sucede com os alimentos provisórios ou com o arbitramento de reparação provisória.

 

(7) Se, como se refere no Preâmbulo do Dec. Lei nº 262/83, de 16 de Junho, “a sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se re-força a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça”, não existem razões que determinem a exclusão das restantes decisões, já que do seu cumprimento célere e eficaz também dependem os valores que se pretenderam acautelar com a introdução deste novo instituto do nosso ordenamento jurídico.

 

 (8) Cfr. Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 454.

 

 (9) Para maiores desenvolvimentos cfr. Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, págs. 353 e segs.., e Correia Neves, in Manual dos Juros, págs. 35 e 89 e segs..

 

(10) Os juros compulsórios têm, segundo Pinto Monteiro, um duplo fundamento: fundamento in-dividual, porque ao serviço dos particulares e de seus interesses; fundamento social, porque visam assegurar o respeito pela autoridade judiciária (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 445 e 458).

 

É de referir ainda que, nos termos do nº 3 do art. 829º-A do CC, só metade da sanção pecuniá-ria compulsória reverterá para o credor. A outra metade destinar-se-á ao Estado (Ac. do STJ, de 9-1-96, in CJSTJ, tomo I, pág. 40).

 

  Uma vez que, segundo a norma referida, a taxa de 5% é automaticamente devida, nem o credor tem que formular qualquer pedido na acção declarativa nem o juiz tem de prever tal con-sequência na sentença condenatória. A obrigação de pagamento de juros compulsórios só se constitui a partir do trânsito em julgado da sentença, pelo que no momento em que a acção é proposta ou em que é proferida a decisão condenatória ainda não é possível prever o seu incum-primento.

 

  Abarcando também a sentença homologatória de transacção ou de confissão do pedido ou qualquer outra decisão judicial que fixe a obrigação de pagamento de determinada quantia.

 

Nos casos em que a decisão judicial seja constituída por uma sentença homologatória da par-tilha efectuada em processo de inventário é a própria lei que determina o vencimento automático de juros de mora, nos termos do art. 1378º, nº 4, do CPC (a partir da sentença e não apenas do trânsito em julgado) – cfr. Ac. da Rel. do Porto, de 5-3-92, in BMJ 415º/723.

 

O mesmo decorre do art. 111º do CCJ, quanto às dívidas respeitantes a custas sobre as quais incidem juros de mora (à taxa máxima estabelecida na lei fiscal) a partir do termo dos prazos esta-belecidos na lei para o seu pagamento, o que permite, em caso de instauração de processo de execu-ção, adicioná-los ao montante do crédito de capital (art. 114º do CCJ).

 

 (11) Acrescentando que o crédito de juros tem autonomia face à obrigação principal, pelo que, não constando da decisão, existe, nessa medida, falta de título.

 

Esta tese não saiu dos estritos quadros da interpretação literal do art. 45º e da aplicação, tam-bém ela literal, do conteúdo da sentença. Assente na doutrina de Antunes Varela, que nela se cita (pág. 340), segundo a qual o título executivo é o “documento donde consta (não donde nasce) a obrigação cuja prestação se pretende obter”, olvida-se que isso já não corresponde inteiramente ao actual contexto normativo, a medida em que a norma do art. 46º, als. b) e c), se basta com a apre-sentação de um documento “constitutivo” da obrigação.

 

A interpretação referida foi ainda assumida expressamente nas seguintes decisões:

 

– No Ac. do STJ, de 4-11-97, in BMJ 471º/293, onde foram acolhidos todos os argumentos além referidos, e no Ac. do STJ, de 5-6-97, in BMJ 468º/315, apontando para a necessidade de o pedido de juros estar em conformidade com o título executivo, imputam-se ao credor as conse-quências da sua falta, por não ter formulado o pedido na acção declarativa ou por ter deixado transitar em julgado a decisão que condenou apenas no capital;

 

– No Ac. do STA, de 14-11-96, in BMJ 461º/244, segundo o qual “o processo executivo não é meio idóneo para obter o próprio título executivo ou ampliar a sua extensão porque o título tem que preexistir à acção executiva”;

 

– Nos Acs. da Rel. de Coimbra, de 18-9-97, in CJ, tomo IV, pág. 68, segundo o qual não po-dem ser executadas quantias referentes a juros de mora se estes não constam da condenação; de 10-3-87, in CJ, tomo II, pág. 67, de acordo com o qual “não havendo condenação em juros, ainda que o exequente possa, face à lei substantiva, ter direito a eles, não pode exigi-los na acção executiva por-que, nesta, o âmbito do pedido está limitado pelo título executivo”; de 18-12-84, in CJ, tomo V, pág. 98, segundo o qual, “na acção executiva baseada em sentença que condenou os executados a pagar determinada quantia, não podem ser incluídos quaisquer juros”; ou de 21-5-85, in CJ tomo III, pág. 76, onde se diz que “não havendo condenação de juros, não pode o exequente pedi-los na exe-cução movida contra os condenados”;

 

– No Ac. da Rel. de Lisboa, de 9-11-77, in CJ, tomo V, pág. 1043, segundo o qual “na hi-pótese de o exequente pedir, no requerimento inicial da execução, juros em que o executado não foi condenado, mesmo que tal pedido não haja sofrido impugnação, carece o mesmo de relevân-cia, por estar em desconformidade com a sentença que serve de título executivo”;

 

– No Ac. da Rel. de Évora, de 14-12-88, in BMJ 382º/545, em cujo sumário se enuncia que “não constando a condenação em juros da sentença condenatória, não podem eles ser incluídos na execução daquela”;

 

– No Ac. da Rel. do Porto, de 21-10-96, in BMJ 460º/807, onde se conclui que não é admissí-vel executar juros de mora se a sentença apenas condenar no pagamento do capital.

 

Cfr. ainda o Ac. do STJ, de 20-1-01 (Rel. Azevedo Ramos), in www.cidadevirtual/stj.pt.

 

(12) Ob. cit., pág. 32, e no CPC anot., vol. I, pág. 87.

 

A mesma solução é defendida por Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, pág. 66.

 

 (13) O mesmo entendimento foi seguido no Ac. da Rel. de Évora, de 9-12-88, in BMJ 382º/546, em cujo sumário se refere que “quando a sentença condenatória compreenda uma ordem de cum-primento de obrigação pecuniária e não haja condenação em juros, o pedido do exequente pode abranger o crédito do capital e o dos respectivos juros de mora a contar da data da notificação da sentença ao executado”.

 

No Ac. da mesma Relação, de 17-12-91, in BMJ 412º/568, decidiu-se que “a acção execu-tiva, consubstanciada em acórdão condenatório de indemnização por factos ilícitos abrange não só o capital correspondente ao montante da indemnização, mas também, quando peticionados, o crédito de juros a contar do trânsito em julgado do referido acórdão”.

 

No mesmo sentido cfr. o Ac. da Rel. do Porto, de 24-1-95, in BMJ 443º/447.

 

(14) Correia Neves, que analisou exaustivamente outras questões de cariz substantivo ou processual referentes a esta modalidade de obrigações, tratou esta questão com excessivo laco-nismo que dificulta a compreensão do seu entendimento. Na sua obra Manual dos Juros, pág. 284, refere tão só que, “tratando-se de acção declarativa de condenação, obtida sentença e não liquidada a prestação, o credor, na execução subsequente, terá oportunidade de pedir os juros de mora ou indemnizatórios a que houver lugar”.

 (15) Não creio que a objecção referida por Lebre de Freitas, com base no caso julgado for-mado pela sentença, impeça a solução que defendo. O que falta demonstrar precisamente é se a eficácia do caso julgado não abarcará ainda a obrigação de juros subsequentes ao trânsito em julgado, tal como ocorre em relação às sentenças de condenação implícita. Aquela objecção é coerente com o seu pensamento, na medida em que também para estas esse autor rejeita a exe-quibilidade (Acção Executiva, 2ª ed., pág. 34). Mas, tendo defendido a exequiblidade dos docu-mentos extrajudiciais em relação aos juros, pelo facto de decorrerem da própria lei, não vejo que razões impeçam a formulação de idêntico juízo em relação aos juros incidentes sobre quantias fixadas em sentença condenatória.

(16) Como foi o caso que deu origem ao Ac. da Rel. de Coimbra, de 10-3-87, in CJ, tomo II, pág. 67.

 (17) Questão controvertida, mas que, em meu entender, deve ser resolvida no sentido afirma-tivo.

A mesma decorre basicamente de um conflito entre as normas dos arts. 566º, nº 2, e 805º, nº 3, do CC. Por um lado, resulta da primeira norma, que, relativamente a dívidas de valor, como aquelas que emergem da responsabilidade civil extracontratual, a quantificação deve ser operada tendo por referência a data mais próxima da sentença. Por outro, determina o artº 805º, nº 3, do CC, que a mora pode constituir-se na data da citação ou ainda em momento anterior, ainda que seja ilíquida a prestação, como sucede em situações como aquela em que se pretende a compensação por danos morais.

Basicamente têm surgido duas teses, uma a defender a possibilidade de cumulação da indem-nização actualizada e dos juros de mora, outra tese a rejeitá-la.

A argumentação usada em prol de uma e de outra encontra-se explanada em diversas decisões de que constituem paradigmas:

– O Ac. do STJ, de 24-2-99, in BMJ 484º/359, aderindo à tese da cumulação, tese que também surge nos Acs. do STJ, de 28-9-95, in CJ, tomo III, pág. 36, e de 23-4-98, in CJSTJ, tomo II, pág. 49;

– E, em prol da solução inversa, o Ac. do STJ, de 15-12-98, in CJSTJ, tomo III, pág. 155, também sustentada nos Acs. do STJ, de 3-12-98, in BMJ 482º/211, e de 20-1-2000 (Rel. Herculano Namora), referido em Sumários do STJ, de Janeiro de 2000, pág. 41.

 (18) O disposto no art. 805º, nº 3, do CPC, pode constituir, aliás, um argumento favorável à dispensa desta nova acção, dado que confere ao juiz, em caso de dúvida, o poder de definir a data a partir da qual se contarão os juros de mora.

 (19) CPC anot, vol. I, pág. 152, e Processo de Execução, vol. I, pág. 128.

 (20) Processo Declaratório, vol. I, págs. 112 e 113, e Acção Executiva… pág. 16.

 (21) CPC anot. vol. I, pág. 391.

 ( 22) Manual da Acção Executiva, pág. 43.

No mesmo sentido cfr. o Ac. da Rel. de Lisboa, de 26-11-92, in CJ, tomo V, pág. 128.

 (23) Acção Executiva Comum, vol. I, pág. 19. Entendimento também seguido no Ac. Rel. de Coimbra, de 9-4-91, in CJ, tomo II, pág. 83.

 (24) Acção Executiva Singular, pág. 73.

 (25) Curso de Processo Executivo Comum, pág. 62.

 (26) No mesmo sentido, cfr. o Ac. do STJ, de 15-11-98, in BMJ 482º/139.

Sobre outras situações, cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, vol. III, pág. 228, os Acs. do STJ, de 24-1-95, in CJSTJ, tomo I, pág. 38 (acção de reivindicação), de 18-3-97, in CJSTJ, tomo I, pág. 160, de 27-5-99, in BMJ 487º/263 (acção declarativa da nulidade de compra e venda), e de 9-5-96, in CJSTJ, tomo II, pág. 55, o Ac. da Rel. do Porto, de 13-5-99, in CJ, tomo III, pág. 187 (acção de preferência), e o Ac. da Rel. de Lisboa, de 8-1-96, in CJ, tomo I, pág. 92 (acção de resolução de contrato de arrendamento).

 (27) Cfr. Acção Executiva, 2ª ed., pág. 33.

 (28) Cfr. Pinto Monteiro, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, págs. 410 e segs. e 454.

 (29) Uma das propostas advindas do Ministério da Justiça relativamente à reforma da acção executiva é precisamente a “extensão da validade do título aos juros de mora e ao reconheci-mento da existência de uma dívida comunicável ao cônjuge”.