Embargos de executado. Nulidade da sentença. Omissão de pronúncia. Mútuo com hipoteca. Seguro de vida. Seguro de grupo. Cláusulas contratuais gerais. Atestado de incapacidade multiuso. Abuso de direito. Boa fé. Sistema de segurança social

EMBARGOS DE EXECUTADO. NULIDADE DA SENTENÇA. OMISSÃO DE PRONÚNCIA. MÚTUO COM HIPOTECA. SEGURO DE VIDA. SEGURO DE GRUPO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. ATESTADO DE INCAPACIDADE MULTIUSO. ABUSO DE DIREITO. BOA FÉ. SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL
APELAÇÃO Nº 2628/17.0T8VIS-A.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 26-01-2021
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO EXECUÇÃO – JUIZ 1
Legislação: ARTS.615 Nº1 D), 731 CPC, 334 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10, DL Nº 202/96 DE 23/10, DL Nº 72/2008 DE 16/4, REGULAMENTO (CE) Nº883/2004 DO PARLAMENTO E DO CONSELHO DE 29/4/2004
Sumário:

  1. Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento, constitui nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC);
  2. No referente à última parte, relacionada com o conhecimento oficioso de excepções, não pode considerar-se haver nulidade, por omissão de pronúncia, se o juiz não detecta a excepção de conhecimento oficioso, porque ela não é medianamente visível ou conjecturável, nem as partes a indiciaram, ou se detectando uma abstracta e potencial excepção oficiosa, no entanto, entende que ela não se verifica;
  3. Em contrato de seguro de grupo Vida, celebrado na sequência de mútuo com a C(…), se esta, como tomadora do seguro, explicou as condições gerais a que estavam sujeitos aos mutuários e segurados, cumpriu o respectivo ónus legal de prova que advém dos arts. 5º do DL 446/85, de 25.10 (referente ao Reg. Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais), 4º do DL 76/95, de 26.7 (que à data da subscrição dos contratos de mútuo e de seguro de vida, estabelecia as regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro) e 78º do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, imanente do DL 72/08, de 16.4);
  4. O atestado médico de incapacidade multiuso é previsto no DL 202/96, de 23.10 (alterado pelo DL 291/2009, de 12.10), e refere-se ao regime de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2º da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade, por conseguinte para um fim vinculado, de interesse público, que justifica a intervenção de um sector específico da Administração Pública para garantir a eficácia das medidas de apoio a deficientes;
  5. A exigência deste atestado por um segurador, como meio indispensável para o cumprimento, por este, de uma prestação a que está, eventualmente, obrigado perante um particular por contrato de seguro, constitui uso abusivo deste instrumento legal;
  6. A obrigatoriedade estabelecida a este propósito no contrato de seguro, apesar da eventualidade de, por razões várias, a pessoa segura não estar em condições de obter o dito atestado e de, por isso, lhe ser impossível satisfazer essa exigência contratual, constitui violação da boa fé, tornando a correspondente estipulação contratual proibida e, por isso, nula, à luz das disposições combinadas dos arts. 12º, 15º e 16º do DL 446/85.
  7. Ainda assim, a exigência de tal atestado médico, feita pela seguradora, em relação ao embargante, residente habitual no estrangeiro, e, por isso, não alcançável, é patentemente inexequível e obviamente desproporcional e, como tal, manifestamente violadora dos limites impostos pela boa fé, a conduzir (art. 334º do CC) a um abuso de direito por parte da seguradora nessa exigência;
  8. O Regulamento (CE) nº 883/2004 do Parlamento Europeu e do Concelho, de 29 de Abril de 2004, diz respeito “à coordenação dos sistemas de segurança social” e o Acordo bilateral entre Portugal e o Luxemburgo, celebrado em 10.3.1997, relativo ao “Reconhecimento das Decisões Tomadas pelas Instituições de Uma Parte Contratante em Relação ao Estado de Invalidez de Requerentes de Pensão pelas Instituições da Outra Parte Contratante”, e aprovado pelo Decreto 63/97, de 16.12, relativo a matéria de reconhecimento recíproco da certificação de invalidez, reportam-se ao sistema de segurança social relativos à EU ou reciprocidade entre os dois referidos países, e não são vinculativos para entidades que se regem por normas de direito privado, designadamente normas que regulam os contratos de seguro vida;
  9. Prevendo as condições gerais de um contrato de seguro de vida determinados requisitos para o preenchimento do conceito de Invalidez Total e Permanente, sendo que um deles era a demonstração que o segurado/embargante tinha um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares (de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura), e desconhecendo-se qual o grau de desvalorização a ponderar por não se ter apurado se existia percentagem definida nas condições particulares, e havendo-a qual ela seria, já que a seguradora (e o tomador do seguro exequente) nada alegaram num ou noutro sentido, então, não se tendo provado quantitativamente aquele grau de desvalorização, essa omissão é-lhes imputável e desfavorável, já que lhes cabia fazer essa prova, por a mesma ser delimitadora da impossibilidade de o segurado/embargante acionar o seguro contratado;
  10. Age com abuso do direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, a exequente que, num contrato de mútuo com hipoteca, garantido ainda com “Seguro de Vida Grupo” dos mutuários a seu favor, com cobertura de invalidez total e permanente, sendo informado de um grau de desvalorização atribuído ao executado, que faz accionar o mesmo, move execução contra os mutuários, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro à seguradora;
  11. Tendo os executados o direito contratual de recusar o pagamento até se verificar que a seguradora não solverá a dívida, nos termos do art. 731º do NCPC (fundamentos de oposição à execução baseada noutro título), ou, no caso de abuso de direito, ficando o crédito invocado pela exequente neutralizado, e, por isso inexigível, a consequência é a extinção da execução, em ambas as hipóteses.

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