Doação modal. Doação de terrenos a entidade pública. Dispensa de forma

DOAÇÃO MODAL. DOAÇÃO DE TERRENOS A ENTIDADE PÚBLICA. DISPENSA DE FORMA
APELAÇÃO Nº
1786/14.0TBVIS.C1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Data do Acordão: 31-05-2016
Tribunal: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J3
Legislação: ARTºS 62º CRP; 202º, Nº 2, E 965º C. CIVIL.
Sumário:

  1. Não se duvida que à luz do nosso ordenamento jurídico, designadamente do art.º 62.º da CRP, o direito de propriedade é um direito fundamental, incluído no regime dos direitos, liberdades e garantias. Daqui não decorre, contudo, que tal direito não possa ser sacrificado, sofrendo restrições ou limitações, de que é paradigma a expropriação por utilidade pública consagrada no n.º 2 do mesmo preceito.
  2. Mas se “a expropriação, através da declaração de utilidade pública, é o único acto dotado de dignidade suficiente para lesar os direitos ou interesses legítimos do particular”, pressupondo, em todo o caso, a atribuição de uma justa indemnização, afigura-se que nada obsta a que o titular do direito de propriedade, no pleno exercício desse mesmo direito, proceda à sua transmissão (no todo ou em parte), a título gratuito, a favor de um ente público, para efeitos da sua afectação ao interesse público e consequente integração no domínio público.
  3. A atribuição (formação) do carácter dominial (ou seja, a aquisição ou submissão de um bem aos os fins do domínio público [utilidade pública]) de uma coisa, não está sujeita à disciplina fixada no CC para a transmissão de bens imóveis, designadamente a nível de forma. Na realidade, a lei civil rege unicamente para as relações jurídico-privadas, sendo que as coisas que se encontram no domínio público se consideram fora do comércio jurídico-privado (v. art.º 202.º, n.º 2 do CC).
  4. Os bens podem ingressar no domínio público quer com base em actos de posse do executivo, de um ente autárquico ou das respectivas populações, como intermediárias, conducentes à usucapião, como forma de aquisição da posse originária, quer com base em cedência e tradição consubstanciadoras da «dicatio ad patriam», como forma de aquisição da posse derivada.
  5. No caso em apreço, tendo a ré entrado na posse da parcela destacada do prédio dos AA na sequência do referido acordo e tendo-a integrado no arruamento denominado Rua da Barroca, não subsiste dúvida quanto à sua afectação ao interesse público, do que decorreria a sua inclusão no domínio público da autarquia (cf. art.º 84.º, n.º 1, al. d) da CRP) e consequente subtracção ao comércio jurídico privado, nos termos do art.º 202.º do CC, a obviar ao pretendido efeito restitutório.
  6. Nos termos do art.º 965.º do CC, na doação modal, quer o doador, quer os seus herdeiros têm legitimidade para exigir do donatário ou dos seus herdeiros o cumprimento dos encargos, se necessário através de meios coactivos. Daqui resulta que o incumprimento culposo dos encargos da doação modal poderá fundamentar a imposição coerciva ao faltoso dos correspondentes deveres (podendo ainda fundar a resolução da doação nos termos do art.º 966º, mas apenas quando previsto no contrato).

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