Direito de propriedade. Direito de tapagem. Abuso de direito. Ação direta. Colisão de direitos. Princípio da igualdade. Princípio da tutela jurisdicional efetiva
DIREITO DE PROPRIEDADE. DIREITO DE TAPAGEM. ABUSO DE DIREITO. ACÇÃO DIRETA. COLISÃO DE DIREITOS. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
Apelação nº 215/16.0T8SEI.C1
Relator: VÍTOR AMARAL
Data do Acordão: 23-06-2020
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – SEIA – JUÍZO C. GENÉRICA – JUIZ 1
Legislação: ARTS.218, 334, 335, 336, 1360 CC, 13, 20 CRP
Sumário:
- Considera-se pacificamente que o exercício de direitos ou, em geral, de posições jurídicas, se apresenta como abusivo quando é flagrante/manifesto e viola o mais elementar princípio de justiça, caindo, então, na previsão do abuso do direito constante do art.º 334.º do CCiv..
- Através da figura do abuso do direito, tributária do princípio da boa-fé, visa-se evitar que o sujeito do direito, no respetivo exercício, ultrapasse intoleravelmente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
- Haverá abuso do direito se a utilização do poder que lhe corresponde conduzir à prossecução de um interesse manifesta ou intoleravelmente exorbitante do fim próprio desse direito ou do contexto em que deve ser exercido.
- Não se demonstrando, quanto à elevação de um muro junto à estrema entre dois prédios confinantes, atos concretos de consentimento, reconhecimento ou aceitação de tal muro pela contraparte, não bastará para tanto, em termos tácitos, o simples decurso do tempo (décadas) de permanência da edificação, no desconhecimento sobre se houve inação ao longo do mesmo, mas sabido que o silêncio não vale, por regra, como declaração negocial (art.º 218.º do CCiv.).
- O art.º 335.º do CCiv. reporta-se à colisão de direitos efetivos, eficazes e atendíveis, sejam eles iguais ou da mesma espécie, caso em que deve haver harmonização/compatibilização, de molde a que nenhum resulte inutilizado ou injustamente sacrificado, mas, ao invés, todos possam produzir o seu efeito (ainda que com limitações), ou, diversamente, sejam desiguais ou de espécie diferente, situação em que prevalecerá o que deva considerar-se superior, com sacrifício do outro.
- Ocorrendo, no caso, ilegítimo exercício por via de ilegal ação direta – perante uma abertura (janela) em parede de prédio confinante, procedeu-se à elevação de muro de tapagem dessa abertura em condições que levaram à ocorrência de infiltrações e humidades no interior da casa situada no prédio vizinho, quando se poderia ter recorrido atempadamente aos tribunais para solução do litígio de confinância (janela) –, não pode a figura da colisão de direitos servir para acautelar os efeitos daquela ilegal ação direta, isto é, garantir a manutenção do muro.
- Também não se verifica, num tal caso, violação do princípio constitucional da igualdade ou da tutela jurisdicional efetiva, posto não poder formular-se um juízo de equiparação de direitos de feição oposta – que pudessem ter-se por igualmente merecedores de tutela jurisdicional e que demandassem uniformidade de tratamento –, sendo que o eventual direito da recorrente se prende com a ilegalidade da abertura/janela, demandando, pela via judicial, uma correção quanto a esta (não desencadeada nos tribunais), em vez de conferir justificação para um muro edificado ilicitamente em infundada ação direta.