Dever de fundamentação. Nulidade de decisão. Prova pericial. Sua finalidade. Segunda perícia. Fundamentação

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE DE DECISÃO. PROVA PERICIAL. SUA FINALIDADE. SEGUNDA PERÍCIA. FUNDAMENTAÇÃO
APELAÇÃO Nº 2811/18.1T8VIS-C.C1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data do Acórdão: 08-07-2021
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU – JUIZ 1
Legislação: ARTºS 154º, 487º E 615º, Nº 1, AL. B), DO NCPC; 388º C. CIVIL.
Sumário:

  1. O dever de fundamentar as decisões (art. 154.° do NCPC (2013)) impõe-se por razões de ordem substancial, caber ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstracta, se extraiu a disciplina ajustada ao caso concreto e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer, na sua plena dimensão, os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar.
  2. Serve isto, do mesmo modo, para dizer que a nulidade da al. b) do art. 615º do NCPC só se verifica no caso de falta absoluta de fundamentação e não de mera insuficiência ou deficiência da mesma.
  3. 3.1. A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil).; 3.2. Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (n.º 1 do art. 589.°. do CPC – 487º NCPC).; 3.3. A expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia.; 3.4. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.
  4. 4.1. A segunda perícia referida nos arts. 487.º e ss .. NCPC pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventual inexactidão.; 4.2. Tal alegação consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por nele e no relatório em que assenta existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respetivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptivel de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa.; 4.3. A segunda perícia coexiste validamente com a primeira, devendo ser-lhe fixada livremente a força probatória do respetivo resultado. Embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja essencialmente o da própria parte, pode vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do oferecido ou requerido.
  5. No caso em apreço, embora a conclusão do relatório pericial aparente ser objectiva e implicitamente, porventura, afastar qualquer outra hipótese explicativa de qualquer das causas alegadas pelas partes, é na consideração, explicação ou justificação cabal e clara das razões por que rejeita estas que também poderá radicar a confiança, credibilidade, capacidade de convencer e exactidão do relatório e até o próprio tribunal encontrar pontos de referência que ajudem à formação de mais sólida convicção (livre) em ordem ao apuramento da verdade, pois sem as despistar e refugiando-se na “secura” da resposta dada, deixa-se em aberto um espaço de dúvida, sempre de evitar e esclarecer até onde seja possível, nesta tarefa se devendo dar prevalência aos objectivos de contraditório.
  6. Admitindo-se que a perícia requeira mais consistente e detalhada explicação sobre os respetivos aspectos que vêm invocados em recurso – no sentido de consolidar o resultado, garantir que todos esses aspectos foram examinados e avaliados e que nenhuma das demais hipóteses justificadamente se coloca – é de admitir a segunda perícia.
  7. Tanto assim que, não obstante, as razões presentes e como tal evidenciadas nas alegações/conclusões apresentadas levam a que a justificação dessa divergência não seja impertinente, desnecessária ou irrelevante. Uma tal justificação integra o conceito de “fundadas razões de discordância” (art.º 487º, nº1 NCPC) para a realização da segunda perícia.
  8. Em função do artigo 628º NCPC (Noção de trânsito em julgado), a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação. Tal preceito «visa determinar, com rigor, o momento a partir do qual se considera transitada em julgado uma decisão judicial. Independentemente dos motivos, valores de segurança jurídica implicam que só possa considerar-se transitada em julgado a decisão depois de decorrido o prazo legalmente previsto para a interposição de recurso ou, não sendo este admissível, para a arguição de nulidades ou dedução do incidente de reforma.

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