Decisão instrutória. Caso julgado formal. Fraude fiscal. Métodos indiciários

DECISÃO INSTRUTÓRIA. CASO JULGADO FORMAL. FRAUDE FISCAL. MÉTODOS INDICIÁRIOS

RECURSO CRIMINAL Nº 1530/18.3T9LRA.C1
Relator: JORGE JACOB
Data do Acórdão: 10-04-2024
Tribunal: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE PORTO DE MÓS)
Legislação: ARTS. 310º, N.º 1, 311º, N.º 1, 379º, N.º 1, AL. C), 412º, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 32º, N.ºS 1 E 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; 83º, N.º 1, E 85º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA; 103º E 104º DO RJIT

 Sumário:

I – A decisão instrutória traduz uma realidade mais ampla do que a simples pronúncia ou não pronúncia. A pronúncia propriamente dita, parcela da decisão instrutória constituída pelo acervo fáctico que fundamenta a imputação do crime ao agente, tem carácter provisório e não forma caso julgado.
II – As nulidades e questões prévias ou incidentais que sejam conhecidas na decisão instrutória e que tenham aptidão para valer com força de caso julgado formal não revestem o mesmo carácter de provisoriedade assinalado à pronúncia stricto sensu e só poderão ser revertidas ou modificadas se impugnadas em recurso, ressalvados os casos em que tenha havido efectiva modificação do enquadramento avaliado no momento da prolação do despacho de pronúncia, ficando ainda salvo o poder conferido ao juiz do julgamento de excluir provas proibidas, conforme previsto no art. 310.º, n.º 2, do C.P.P.
III – Os tribunais de instrução criminal integram-se nos tribunais de 1.ª instância, pertencendo ao mesmo escalão hierárquico do tribunal a que incumbirá o julgamento da causa, razão pela qual, no limite, admitir que o tribunal de julgamento pudesse alterar ou reverter uma decisão do juiz de instrução criminal relativa a nulidades, excepções ou questões prévias sem que intercorresse alteração das circunstâncias ponderadas na decisão anterior, traduziria uma afronta ao princípio da obrigatoriedade das decisões judiciais para todas as entidades, aí incluídas as próprias autoridades judiciais, concatenado com os princípios do direito ao recurso e da independência dos tribunais, este último na acepção de que os tribunais são independentes não apenas relativamente aos demais poderes do Estado, mas também independentes entre si, ressalvada a vinculação às decisões dos tribunais hierarquicamente superiores (artigos 205.º, n.º 2, 32.º, n.º 1, parte final, e 203.º, todos da Constituição da República Portuguesa).
IV – Os documentos entregues pelos inspecionados ao abrigo do dever de cooperação no decurso de inspecção tributária podem ser atendidos no processo crime para prova de crime fiscal, sem que daí resulte violação do direito ao silêncio ou do direito à não autoincriminação.
V – O recurso a métodos indiciários não traduz senão a aplicação no domínio fiscal dos princípios utilizados pelo julgador na formulação das presunções judiciais que consubstanciam a prova por presunção, deduzindo a partir de factos conhecidos os factos desconhecidos que não são ou não podem ser objecto de prova directa, constituindo um meio de prova lícito (artigos 349.º e 351.º do Código Civil) e, como tal, admissível em processo penal (artigo 125.º do C.P.P.). Caberá à acusação demonstrar a verificação dos pressupostos legais da aplicação do método de avaliação indirecta e o bem fundado das conclusões por ele alcançadas, que serão depois ponderados pelo tribunal no âmbito da livre avaliação da prova, por recurso à valoração da prova no seu conjunto com particular ênfase para os elementos directamente demonstrados e para o critério de determinação dos valores liquidados.
VI – Só a «dúvida razoável», não uma qualquer dúvida circunstancial, obriga ao funcionamento do in dubio pro reo.
(Sumário elaborado pelo Relator)

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