Crime de violação agravado. Erro de julgamento

CRIME DE VIOLAÇÃO AGRAVADO. ERRO DE JULGAMENTO

RECURSO CRIMINAL Nº 793/21.1JALRA.C1
Relator: PAULO GUERRA
Data do Acórdão: 07-06-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA
Legislação: ARTIGOS 50.º, N.º 1, 53.º, 69.º-B, N.º 2, 69.º-C, N.º 2, 72.º, 73.º, 164.º, N.º 2, ALÍNEA A), E 177.º, N.º 6, DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 4.º DO D.L. Nº 401/82, DE 23 DE SETEMBRO

Sumário:

1. O relato da vítima é muitas vezes o único elemento de prova e por isso é muito relevante a importância da avaliação da sua credibilidade, não havendo, por isso, obstáculo legal à valoração em audiência de julgamento das declarações de um qualquer ofendido, ainda que assistente ou demandante cível, no âmbito da imediação e na oralidade, mesmo que desacompanhadas de outra prova.
2. Um perito apenas pode e deve pronunciar-se sobre a capacidade da testemunha conservar em memória e reproduzir os acontecimentos que presenciou, ou seja, sobre os aspectos perceptivos e cognitivos do depoimento, e não sobre a sua credibilidade, juízo esse que pertence, inexoravelmente ao tribunal.
3. Quanto à credibilidade de um testemunho, sabemos que não existem técnicas seguras, ou suficientemente seguras, que permitam distinguir uma declaração verdadeira de uma declaração não verdadeira, mas existem certamente indicadores ou comportamentos, para além daqueles que podem ser observados num depoimento prestado em tribunal e directamente percepcionados pela autoridade judiciária, que estarão ao alcance do perito e que podem e devem contribuir para o julgador fundamentar a sua convicção quanto à credibilidade de determinado depoimento.
4. Não se deve diabolizar a não reacção da vítima, ao não gritar, perante um acto de violação, podendo o seu interior estar esmagado com o que lhe está a acontecer.
5. Na agressão, a vontade do autor impõe-se pela força, seja através de violência ou de intimidação, não se podendo pedir à vítima uma constante atitude perigosamente heroica.
6. A inexistência de qualquer reacção ou resistência de uma vítima de violência sexual radica no facto de estar a sentir a agressão como uma ofensa à sua integridade física, ou mesmo à sua vida, pelo que adopta um comportamento orientado para a sua preservação, podendo optar por diferentes estratégias de sobrevivência.
7. Algumas das formas mais comuns de reacção das vítimas de violência sexual são precisamente aquelas que o público muitas vezes tem dificuldade em compreender, assente que as mulheres que sofrem violência sexual nem sempre são capazes de tomarem decisões que as protejam.
8. Aqui, como em tantos outros aspectos, é mister da magistratura não se deixar levar por juízos de valor com base em apreciações pessoais ou mitos, que estão assentes em pura especulação e estereótipos.
9. A delimitação do conceito de violência para efeitos do crime de violação reporta-se à utilização de força física como meio de vencer a resistência oferecida ou esperada por parte da vítima como reacção à actuação do agente, força essa que, não tendo que revestir características específicas, há-de em todo o caso de, no contexto dos factos, revelar-se como meio adequado e idóneo a vencer a resistência real ou presumível que a vítima oponha à acção.
(Sumário elaborado pelo relator)

Consultar texto integral