Crime de desobediência. Funcionário. Horário de funcionamento. Contraordenação. Ordem de encerramento. Interesse público. Interesses dos agentes económicos. Direito ao sossego e à tranquilidade pública
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. FUNCIONÁRIO. HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO. CONTRAORDENAÇÃO. ORDEM DE ENCERRAMENTO. INTERESSE PÚBLICO. INTERESSES DOS AGENTES ECONÓMICOS. DIREITO AO SOSSEGO E À TRANQUILIDADE PÚBLICA
RECURSO CRIMINAL Nº 129/22.4PBCVL.C1
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Data do Acórdão: 22-02-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA COVILHÃ
Legislação: ARTIGO 18.º, N.º 2, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGOS 348.º E 386.º DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – Nos termos do n.º 1 do artigo 348.º do Código Penal a cominação da desobediência pode ter uma de duas fontes: a existência de uma disposição legal que comine, no caso, a punição a título de crime de desobediência, nos termos da alínea a); ou, na falta desta, uma cominação feita pela autoridade ou funcionário competente para ditar a ordem ou mandado, no caso da alínea b).
II – No caso da alínea b) o dever de obediência resulta da circunstância de a ordem provir de autoridade ou funcionário com competência funcional, própria ou delegada, para a proferir, de ter sido regularmente transmitida e de ter sido comunicado, ainda, que a desobediência à ordem emitida seria punida com a pena prevista para o crime de desobediência.
III – Em tais casos deve ainda resultar que o legislador não previu em termos normativos as consequências da conduta inadimplente e que no contexto em que a ordem foi proferida o seu incumprimento atinge a dignidade penal e necessidade de pena, pressupostas no artigo 348.º.
IV – A criminalização ad hoc só é conforme à Constituição no de ausência completa de qualquer expediente compulsivo, previsto numa disposição legal, destinado a evitar as consequências perniciosas do comportamento desobediente, ou quando a consequência prevista na lei se mostre na prática claramente insuficiente.
V – Mesmo que o legislador tenha previsto as consequências da conduta em causa com norma sancionatória não penal ou com disposição processual, o funcionário ou autoridade donde emana a ordem pode fazer a cominação ad hoc do crime de desobediência se considerar, fundadamente, que a consequência prevista na lei pelo legislador se mostra manifestamente ineficaz, face às circunstâncias do caso.
VI – Nestes casos as consequências da conduta terão que ter gravidade compatível com a criminalização através da cominação ad hoc, em homenagem ao princípio da proporcionalidade entre a danosidade social da conduta e a reacção, tal como resulta do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
VII – A cominação do crime de desobediência relativamente à recusa de encerramento do estabelecimento que labore fora do horário de funcionamento autorizado justifica materialmente a criminalização, por se apresentar proporcional à danosidade social da conduta por ele assumida.
VIII – Neste caso a cominação do crime de desobediência não se sobrepõe nem se confunde com a conduta contraordenacional decorrente da laboração do estabelecimento fora do horário de funcionamento previsto pela referida deliberação camarária.
IX – O crime previsto na al. b) do nº 1 do art. 348º do Código Penal tem caráter subsidiário.