Contrato promessa de compra e venda. Preço. Documento autêntico. Prova plena. Prova testemunhal. Princípio de prova por escrito. Insolvência. Tradição

CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PREÇO. DOCUMENTO AUTÊNTICO. PROVA PLENA. PROVA TESTEMUNHAL. PRINCÍPIO DE PROVA POR ESCRITO. INSOLVÊNCIA. TRADIÇÃO
APELAÇÃO Nº
278/17.0T8SEI-F.C1
Relator: BARATEIRO MARTINS
Data do Acordão: 25-06-2019
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – SEIA – JUÍZO C. GENÉRICA – JUIZ 2
Legislação: ARTS. 371, 372, 392, 393, 394 CC, 102, 106 CIRE
Sumário:

  1. Atestando o notário (o que fez constar da escritura) que os outorgantes declararam que prometiam comprar e vender, respectivamente, isto – tais declarações negociais produzidas pelos declarantes perante o notário – fica coberto pela força probatória plena, pelo que só pode ser contrariado frontalmente suscitando-se a falsidade da escritura.
  2. Não sendo suscitada qualquer falsidade da escritura, coloca-se tão só a possibilidade de se invocar que, embora os outorgantes hajam dito perante o notário o que este fez constar da escritura, o que eles/outorgantes disseram não foi sincero/verdadeiro ou foi influenciado por vícios que inquinam a validade das declarações negociais produzidas (perante o notário).
  3. Invocações estas – dos vícios da vontade (erro, dolo, coacção) e das divergências entre a vontade e a declaração (falta da vontade, erro na declaração, simulação) – que podem, por a prova plena das afirmações atestadas se circunscrever à sua materialidade (e não também à sua sinceridade/veracidade ou à validade) e de assim não lhes ser aplicável o art. 394.º/1 do C. Civil, ser demonstradas pela prova testemunhal (com excepção da prova da simulação entre os próprios simuladores – art. 394.º/2 do CC).
  4. Assim, tendo-se os RR. limitado a impugnar o conteúdo da escritura, nada foi alegado com relevância jurídica e que careça de ser factualmente julgado; ou seja, não tem que se apreciar/julgar se um declarante prometeu efectiva/sincera/validamente comprar ou não e o outro declarante prometeu efectiva/sincera/validamente vender ou não.
  5. Atestando o notário (em escritura de CPCV) que os outorgantes declararam que o preço do negócio prometido foi integralmente pago e recebido, também tais declarações ficam cobertas pela força probatória plena.
  6. A alegação dos RR. de não ter sido efectivamente pago/recebido o preço declarado em tal escritura exige a prova da convenção de se ter declarado no documento um conteúdo contrário à verdade, pelo que, sendo “convenção contrária” ao conteúdo da escritura, é, em princípio, inadmissível a sua prova por testemunhas (cfr art. 394.º/1 do CC).
  7. Não será, porém, inadmissível tal prova testemunhal, se houver um “princípio de prova por escrito”, ou seja, um qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado.
  8. A mera declaração de insolvência tem como efeito “regra” a suspensão ex lege e automática do contrato-promessa em curso em que o insolvente seja parte, passando a assistir ao AI, na pendência de tal suspensão, o direito de optar ou pelo cumprimento ou pelo incumprimento do contrato-promessa (cfr. art. 102.º do CIRE).
  9. Porém, o art. 106.º/1 do CIRE prevê um regime especial: sendo a insolvência do promitente vendedor, tratando-se de promessa com eficácia real e tendo havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador, o AI não pode recusar o cumprimento, impondo-se-lhe cumprir o contrato.
  10. A “tradição” a que se refere o art. 106.º/1 do CIRE é a mesma que se verifica e exige para o corpus na aquisição derivada da posse, ocorrendo quando o promitente adquirente obtém a possibilidade de exercer uma relação material com e sobre o objecto e compondo-se de dois elementos: um negativo, o abandono do anterior possuidor, e outro, positivo, a apprehensio ou entrega ao novo possuidor.
  11. Provando-se que, na data do contrato, o promitente-vendedor entregou as chaves da fracção ao promitente-comprador, mas não se provando que este tenha estabelecido qualquer relação material positiva com a fracção, não se provou tal elemento positivo acima referido, não se podendo dizer que tenha havido “tradição” da coisa. 

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