Contrato de seguro. Risco. Ónus da prova. Nulidade da sentença. Excesso de pronúncia. Factos instrumentais. Factos complementares. Contraditório. Abuso de direito processual. Facto conclusivo. Confissão. Depoimento de parte
CONTRATO DE SEGURO. RISCO. ÓNUS DA PROVA. NULIDADE DA SENTENÇA. EXCESSO DE PRONÚNCIA. FACTOS INSTRUMENTAIS. FACTOS COMPLEMENTARES. CONTRADITÓRIO. ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL. FACTO CONCLUSIVO. CONFISSÃO. DEPOIMENTO DE PARTE
APELAÇÃO Nº 825/15.2T8LRA.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 09-01-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JC CÍVEL – JUIZ 2
Legislação: ARTS.5, 542 Nº1 D), 607, 608 Nº2, 615 Nº1 D) CPC, 334, 342 CC, 93, 94 DO DL Nº72/2008 DE 16/4
Sumário:
- O excesso de pronúncia, gerador de nulidade da sentença, dá-se quando o tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (arts. 615º, nº 1, d), 2ª parte, e 608º, nº 2, 2ª parte, do NCPC).
- Quando a lei, nos mencionados normativos processuais, se refere a questões está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções suscitadas, o que significa que o juiz só cometerá a indicada nulidade de excesso de pronúncia se conhecer de causa de pedir não invocada.
- Torna-se desnecessária a apreciação da prova apresentada, para comprovação de um facto instrumental (art. 5º, nº 2, a), do NCPC), se o facto essencial, de que aquele é instrumental, foi dado por provado.
- Se os factos que se pretendem sejam dados por provados tiverem a natureza de concretizadores ou complementares e resultarem da instrução da causa e que as partes conheceram, só podem ser considerados, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para os considerar factualmente ou as partes requereram que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório.
- Se a parte tiver alegado um facto que veio a provar não pode, depois, em recurso, dando o dito por não dito, tentar suprimir o mesmo, em impugnação da matéria de facto, por tal conduta representar uma intolerável manipulação das regras processuais, a bel contento de interesses egoístas da parte, no seu afã de alcançar os seus propósitos substantivos de procedência do peticionado, sem respeito da boa fé processual; tal seria um abuso de direito processual, na modalidade de venire contra factum proprium, o que lhe está vedado, nos termos resultantes dos princípios gerais estabelecidos nos arts. 334º do CC e 542º, nº 1, d), do NCPC, a propósito da litigância de má fé.
- O juízo de facto conclusivo, está por natureza afastado da selecção de factos materiais e objectivos, pois só estes podem ser considerados, como resulta do disposto no art. 607º, nº 3 e 4, do NCPC.
- Se o R., em depoimento de parte, com redução a escrito reconhecer um facto desfavorável que favorece a parte contrária, tal confissão tem força probatória plena contra o confitente;
- No contrato de seguro, o risco constituiu um elemento essencial, o qual se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, nos termos configurados no contrato e que deve existir ainda durante a vigência do mesmo.
- O risco relevante para efeitos do contrato, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato de seguro através da delimitação dos riscos cobertos, que tecnicamente é feita através de dois vectores: primeiramente por meio das cláusulas definidoras da “cobertura-base” e subsequentemente pela descrição das cláusulas de delimitação negativa dessa base ou de exclusão da cobertura.
- O sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto, devendo reunir os elementos com que é ali configurado.
- A definição genérica de sinistro como evento futuro, súbito e imprevisto, dada numa cláusula contratual geral, não se traduz em qualquer característica qualificativa adicional dos factos enunciados na cláusula de base de cobertura do risco.
- Assim, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (art. 342º, nº 1, do CC), enquanto a seguradora deve provar os factos ou circunstâncias que sejam susceptíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos aparentem ou excludentes do risco, a título de factos impeditivos (art. 342º, nº 2, do CC).
- Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.
- Defendendo-se a R./seguradora, por excepção, com invocação das situações previstas nos arts. 93º, nº 1 e 2, e 94º, nº 2, do RJCS, com vista a recusar a cobertura do risco e eximir-se de qualquer responsabilidade civil indemnizatória contratual, é de afastar desde logo a aplicação do art. 93º, com a epígrafe “Comunicação do agravamento do risco”, pois tal normativo só funciona antes da ocorrência do sinistro e não depois do mesmo ocorrido.
- Ocorrido o sinistro o art. 94º, com a epígrafe “Sinistro e agravamento do risco” é susceptível de aplicação; se a R. só invocou na sua defesa por excepção a situação de facto prevista no nº 2 do apontado art. 94º, mas não se apurou que tivessem sido as AA as criadoras do facto agravador do risco, fica arredada a possibilidade da sua aplicação.
- Se a aludida situação de excepção foi a única invocada pela R. na sua defesa por contestação, e não se provou é de concluir que a R. não se pode eximir à sua responsabilidade perante as AA;
- Embora em abstracto pudesse ser aplicável a situação enunciada no dito art. 94º, seu nº 1, b), que implicaria hipoteticamente uma redução proporcional da responsabilidade da R./seguradora, a mesma não pode ser hipotizada visto a mesma neste conspecto nada ter invocado em concreto na sua referida defesa por excepção, não se tendo predisposto à sua aplicação, tendo ao invés pugnado pela sua absolvição total (o mesmo fazendo ora em recurso).