Contrato de seguro. Prova documental. Recibos. Confissão. Mediador de seguros. Representação aparente

CONTRATO DE SEGURO. PROVA DOCUMENTAL. RECIBOS. CONFISSÃO. MEDIADOR DE SEGUROS. REPRESENTAÇÃO APARENTE
APELAÇÃO Nº
521/15.0T8PMS.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 17-10-2017
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – P.MÓS – JL CÍVEL
Legislação: ARTS.342, 360, 374, 376 CC, DL Nº 388/91 DE 10/10, DL Nº 178/86 DE 3/7, DL Nº 144/2006 DE 31/7, DL Nº 72/2008 DE 16/4
Sumário:

  1. Se a A. afirmar que determinada empresa é mediadora de seguros da R. seguradora, que é um facto de necessário conhecimento pessoal da R., esta tem de tomar posição definida sobre o mesmo, negando ou aceitando tal realidade, não podendo declarar que não é facto pessoal ou de que deva ter conhecimento, sob pena de tal declaração equivaler a confissão, nos termos do art. 574º, nº 3, do NCPC.
  2. Se a R. seguradora emitir recibos de prémio referentes a determinados períodos, relativamente a determinado veículo, figurando neles a menção do valor de capital de danos próprios, e tais documentos não forem impugnados, consideram-se os mesmos verdadeiros – nos termos do art. 374º, nº 1, do CC.
  3. Sendo documentos particulares verdadeiros fazem prova plena quanto às declarações da R. (sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade) – art. 376º, nº 1, do CC).
  4. O que quer dizer que o que deles consta, factos contrários ao interesse da R., se consideram provados plenamente (sem prejuízo da sua indivisibilidade) – art. 376º, nº 2, do CC;.
  5. Alegar-se em recurso que tais recibos se referem a meras fracções do prémio, ou seja, o prémio foi fraccionado, e por conseguinte, o valor que lá consta é o da apólice, contratada e para cada veículo, ab initio, e por tal razão, no campo “situação” se refere “Novo”, trata-se de alegação/narração de matéria nova, de uma reserva modificativa, não susceptível de conhecimento em recurso.
  6. Tal alegação a ter efeito de infirmar a realidade dos factos declarados – a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, como reza o disposto no art. 360º do CC – devia ter sido feita pela R. seguradora na contestação, lugar onde se devia ter suscitado a eventual e aludida indivisibilidade.
  7. Ademais não tem a virtualidade de infirmar o que seja, pois o modo de pagamento trimestral do prémio não arreda a existência e vigência do contrato de seguro, nem da palavra “Novo”, aposta no recibo do documento, se consegue vislumbrar que significará uma simples referência ao contrato inicialmente existente.
  8. Se no art. 21º, nº 1, a), das Condições Gerais da Apólice de Seguro, se estabelece que o recibo constitui documento comprovativo da existência do seguro, a existência dos referidos recibos comprovam a existência do seguro nos seus termos, v.g., pagamento do prémio e valor do capital seguro.
  9. O indicado regime da prova plena não impede que as declarações constantes do documento sejam impugnadas com base na falta de vontade ou nos vícios da vontade capazes de a invalidarem; se a R. não alegou nenhum desses vícios, na contestação, limitando-se a impugnar o alegado pela A. na p.i., a mencionada prova plena não fica afastada.
  10. No art. 342º do CC, a propósito do ónus de prova, consagra-se o critério da normalidade: aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos (a incapacidade, a falta de vícios da vontade, a impossibilidade do objecto, a fraude à lei, etc, designadamente a inexistência de poderes representativos).
  11. Se a A. invoca que a reposição do capital seguro foi aceite pela R. seguradora, através do seu mediador de seguros, cabia à R., para se eximir da sua responsabilidade, comprovar, de acordo com o aludido critério da normalidade, que o seu mediador de seguros era ligado ou agente, em que termos fazia a mediação dos seus produtos e se não tinha poderes de representação para a vincular, dada a simplicidade ou facilidade dessa prova.
  12. Sobre a figura da representação aparente, na mediação de seguros, regula o art. 30º, nº 3, da LCS, são requisitos legais da sua aplicação: a) que o tomador esteja de boa fé, ou seja, desconheça, sem culpa, a falta de poderes do mediador; b)- o tomador confie na existência dos poderes de representação em falta, na base de razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso; c) e o segurador tenha contribuído igualmente para fundar a confiança do tomador.
  13. Têm-se por verificados estes 3 requisitos legais, se: a A. está de boa fé, por desconhecer, sem culpa, a eventual falta de poderes do mediador; solicitou a reposição do capital seguro e a R. seguradora emitiu os recibos relativos aos prémios, num deles até mencionando o local de pagamento, junto da mediadora de seguros, e fez constar nos mesmos recibos era esse determinado valor inicial do capital seguro, sendo, por isso, sustentada a convicção da A., como tomadora do seguro, em como o mediador de seguros disporia do poderes necessários à reposição do capital seguro; foi com tal descrita actuação que a seguradora contribuiu para a criação da situação de confiança da A., pelo que será de imputar à mesma o fundamento para tal situação de confiança da A.

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