Contrato de mútuo. Nulidade formal. Abuso de direito

CONTRATO DE MÚTUO. NULIDADE FORMAL. ABUSO DE DIREITO
APELAÇÃO Nº
1189/16.2T8VIS.C1
Relator: LUÍS CRAVO
Data do Acordão: 06-02-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JC CÍVEL – JUIZ 2
Legislação: ARTS. 286, 289, 334 CC
Sumário:

  1. Entre as hipóteses de exercício de um direito em que o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé (cf. art. 334º do C.Civil encontra-se a conduta contraditória, ou seja, o venire contra factum proprium.
  2. Porém, nos casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação/ conduta contraditória que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, porquanto as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral.
  3. Nestes casos específicos de pedido de declaração de nulidade de um negócio jurídico só excecionalmente é que se pode admitir a invocação do abuso de direito: desde que, no caso concreto, as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade (isto é, as circunstâncias/pressupostos devem ser objecto de uma ponderação global, in concreto, para se aferir se existe uma exigência ético-jurídica de impedir a conduta contraditória.
  4. Agem com abuso de direito os Réus mutuários que, na contestação, invocam a nulidade do contrato por falta de forma, depois de terem fruído do capital mutuado por um período prolongado, utilizando-o nos termos que tiveram por convenientes, procedendo ao pagamento dos montantes de juros remuneratórios acordados, por um período longo de mais de 9 anos.
  5. É que, com tal comportamento, criaram no A. mutuante a confiança de que eles RR. mutuários iriam cumprir o acordado, pagando os juros estabelecidos até ao momento em que procedessem à restituição do capital mutuado; paralelamente, é legítimo afirmar que o A./recorrido investiu nessa confiança, já que, foi nesse pressuposto que permitiu aos RR. mutuários a disponibilidade do capital mutuado durante tanto tempo.
  6. Temos, então, a existência de uma situação objectiva de confiança, e o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger, donde a neutralização desse direito (invocabilidade da nulidade por vício de forma) que durante muito tempo se não exerceu, por o não exercente ter criado, pela própria conduta, uma expetativa legítima de que o mesmo não iria ser exercido (supressio).

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