Contrato de mútuo. Documentos particulares. Assinatura. Arguição da falsidade do documento. Ónus da prova. Efeito retroativo da nulidade do contrato
CONTRATO DE MÚTUO. DOCUMENTOS PARTICULARES. ASSINATURA. ARGUIÇÃO DA FALSIDADE DO DOCUMENTO. ÓNUS DA PROVA. EFEITO RETROATIVO DA NULIDADE DO CONTRATO
APELAÇÃO Nº 2548/21.4T8ACB.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acórdão: 24-10-2023
Tribunal: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Legislação: ARTIGOS 374.º, 375.º E 376.º, 220.º, 1143.º E 289.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL E 640.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – A declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida importa a actuação da presunção de existência da relação causal, cabendo, por isso, ao devedor demandado afastar ou por em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou a invalidade do débito aparentemente reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor;
II – Relativamente aos documentos particulares assinados pelo seu autor, a lei estabelece um sistema gradativo de ilações.
a) Primeira ilação: genuinidade da assinatura e, portanto, da autoria do documento; invocado um documento assinado, fica objecto de prova bastante que a assinatura é genuína: se a parte não impugnar a veracidade da assinatura, tem-se ela por demonstrada (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil); se a parte impugnar a veracidade da assinatura ou então, não sendo a assinatura da própria parte, declarar que não sabe se é genuína (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil), a genuinidade da assinatura terá de ser objecto de prova, recaindo o ónus da prova sobre o apresentante do documento (devendo o tribunal, na dúvida, tomar a assinatura como não genuína) (art. 374.°, n.° 2, do Código Civil).
b) Segunda ilação: da genuinidade da assinatura, conclui-se a genuinidade do texto do documento; o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos descritos faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (art. 376.°, n.° 1, do Código Civil);
c) Terceira ilação: a demonstração da genuinidade do texto transforma o documento em confessório, isto é, os factos nele relatados consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (art.° 376.°, n.° 2, do Código Civil); isto não impede, no entanto, que o autor do documento possa demonstrar a inveracidade daqueles. O valor probatório do documento assinado pode ser ilidido através da prova de uma das seguintes circunstâncias: a demonstração da falsidade material do documento (art. 376.°, n.° 1, in fine, do Código Civil), i.e., a prova da alteração do seu conteúdo, antes ou depois da subscrição pelo signatário; se o documento tiver sido assinado em branco, a demonstração de que foi violado um pacto de preenchimento ou de que o documento foi subtraído ao signatário (art. 378.° do Código Civil); se o documento tiver sido subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler ou a rogo, a demonstração de que a subscrição não foi confirmada perante notário (art. 373.°, n.°s 3 e 4, do Código Civil);
III – Se uma parte arguiu a falta de autenticidade do documento ou a sua falsidade, cabe ao arguente a prova de uma coisa ou de outra; se o arguente não demonstrar aquela falta de autenticidade ou esta falsidade, o tribunal profere uma decisão contra essa parte, visto que é ela quem está onerada com o ónus da prova do facto correspondente;
IV – A declaração da nulidade do contrato, por força do seu carácter retroactivo, dá lugar a uma relação de liquidação, pelo que tudo o que tiver sido prestado em execução do negócio declarado nulo deve ser restituído, ou, se a restituição em espécie não for possível, o respectivo valor.
(Sumário elaborado pelo Relator)