Contrato de crédito documentário. Regras e usos uniformes
CONTRATO DE CRÉDITO DOCUMENTÁRIO. REGRAS E USOS UNIFORMES
APELAÇÃO Nº 4941/15.2T8CBR.C1
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Data do Acordão: 16-01-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J.C. CÍVEL – J4
Legislação: RUU/500
Sumário:
- Tratando-se de um tipo de contrato muito usado nas transacções internacionais, a Câmara de Comércio Internacional encarregou-se de coligir, de forma ordenada e sistemática, os princípios comummente aceites no comércio jurídico internacional, fazendo-o com êxito e ora catalogados sob a denominação de “Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários”, na sua sexta versão (RUU/500) e resultante da última revisão realizada em 1993, que funcionam como a expressão, necessariamente incompleta, do regime jurídico que deve prevalecer no direito comercial internacional (LEX MERCATORIA).
- Dada a forma como surgem compilados os preceitos do RUU, podemos definir o contrato de crédito documentário, seguindo os ensinamentos explanados no Ac. S.T.J. de 17/4/1997, in B.M.J. 466/526, referido no Ac. do Guimarães, 12 de Outubro de 2005, relatado por António Gonçalves, proc.º n.º 1596/05-2, in www.dgsi.pt “a operação bancária formal pela qual um banco (o banco emitente), agindo por mandato ou instruções do seu cliente (o ordenador do crédito), se obriga, mediante um negócio unilateral, a carta de crédito, a pagar ou a mandar pagar a terceiro (o beneficiário) uma quantia determinada, à vista ou na data ou datas estipuladas, sob condição de o beneficiário lhe entregar os documentos exigidos (representativos de mercadorias compradas pelo ordenador ao beneficiário e outros). Ao compromisso do banco emitente, quando irrevogável, pode juntar-se o compromisso de outro banco, o banco confirmador, a confirmar o crédito documentário. Neste caso, o banco confirmador, também por um negócio unilateral, a carta de confirmação, obriga-se perante o beneficiário em termos idênticos aos do banco emitente”.
- A doutrina (v.g. Menezes Cordeiro in Manual de Direito Bancário, pág. 546) e a jurisprudência (v. g. Ac. do S.T.J. de 25.06.1986, B.M.J 358.º, 570) atribuem-lhe a natureza jurídica de mandato sem representação, mediante o qual o comprador (mandante) encarrega certo banco (mandatário) de lhe praticar certos actos jurídicos ou de lhe prestar determinados serviços, circunstância que é aceite por esta instituição de crédito, explicando esta construção jurídica toda a problemática nele contida e que se prende com a relação estabelecida entre o ordenador, o banco emitente e o banco confirmador, que aparece na cena do contrato através da figura da adjunção – o banco confirmador associa-se ao banco emitente de modo a assumir também a obrigação da responsabilidade deste.
- Resulta, assim, que mediante o crédito documentário irrevogável, um banco (o banco emitente) agindo por mandato ou instruções do seu cliente (o ordenador do crédito), assume o compromisso firme, insusceptível de alteração ou cancelamento sem o acordo de todos os interessados, de realizar a favor do beneficiário a prestação constante da abertura de crédito, desde que este lhe apresente, no prazo e condições estabelecidas na carta de crédito, os documentos que aí se especificaram, e que a pedido ou com a prévia concordância do banco emitente, o crédito documentário irrevogável pode ser confirmado por um outro banco (o banco confirmador), que, com essa confirmação, assume, perante o beneficiário, o compromisso firme de realizar, a seu favor, a prestação constante da abertura de crédito.
- Por isso, o pagamento diferido implica, para os bancos comprometidos (emitente e confirmador), a obrigação de pagar a quantia creditada ao beneficiário na data do vencimento estipulada na carta de crédito ou até essa data.
- De acordo com as Regras e Usos Uniformes relativos aos Créditos Documentários, a operação de crédito documentário e o negócio que lhe está subjacente, v.g. a compra e venda internacional, são independentes e autónomas: quer o banco emitente, quer o banco confirmador, não são partes nesse negócio subjacente, sendo estranhos às convenções a ele respeitantes (cfr. art.º 3º das RUU).