Contrato de crédito ao consumo. Contratos de adesão. Cláusulas contratuais gerais. Dever de informação. Dever de comunicação. Abuso de direito. Princípio do dispositivo. Ineptidão. Cumulação de pedidos. Compatibilidade. Nulidade da sentença

CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO. CONTRATOS DE ADESÃO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. DEVER DE INFORMAÇÃO. DEVER DE COMUNICAÇÃO. ABUSO DE DIREITO. PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO. INEPTIDÃO. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. COMPATIBILIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA
APELAÇÃO Nº
41136/17.2YIPRT.C1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data do Acordão: 21-05-2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – JL CÍVEL – JUIZ 1 (EXTINTO)
Legislação: ARTS.5, 6, 555, 615 CPC, ART.334 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10, DL Nº 269/98 DE 1/9, DL Nº 133/2009 DE 2/6
Sumário:

  1. O juiz não está limitado às alegações das partes, no que toca à matéria de direito (art. 664.º do CPC – 5º NCPC), pelo que, ao qualificar juridicamente não incorreu em violação do princípio do dispositivo ou do contraditório, nem, sequer, havendo sido proferida “decisão surpresa”, sendo certo que, mais do que a nomenclatura, releva a interpretação das suas cláusulas.
  2. A compatibilidade dos pedidos (art. 555º NCPC), afere-se pela conciliabilidade dos efeitos jurídicos derivados da procedência de cada um dos pedidos, para que não suceda que o reconhecimento de um deles exclua a possibilidade de verificação do outro.
  3. A incompatibilidade de pedidos, enquanto vício gerador de ineptidão da petição inicial, só justifica colher tal relevância, determinando a anulação de todo o processo, quando coloque o julgador na impossibilidade de decidir, por confrontado com a ininteligibilidade das razões que determinaram a formulação das pretensões em confronto, irrelevando, para o efeito, o antagonismo que ocorra no plano legal ou do enquadramento jurídico.
  4. Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei. A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito. A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é, já, interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração, que escapa ao domínio literal, e a que se procedeu.
  5. O cumprimento do dever de comunicação, a que se reporta o citado art. 5º (do regime fixado pelo DL nº 446/85, de 25/10, na redacção introduzida pelos DL nº 220/95, de 31/01, e nº 249/99, de 7/7), basta-se com a entrega de exemplar/minuta do contrato, contendo todas as cláusulas (incluindo as gerais), com a antecedência que seja necessária – em função da extensão e complexidade das cláusulas –, na medida em que, com a entrega dessa minuta, uma pessoa normalmente diligente tem a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exacta compreensão.
  6. Dando como assente que uma pessoa de comum diligência não assinará um documento sem que, primeiro, se certifique do respectivo teor, afigura-se-nos que a entrega da minuta, contendo as cláusulas gerais, é adequada para possibilitar a quem use de comum diligência o conhecimento real e efectivo das referidas cláusulas. Assim, se os Recorrentes não tomaram real e efectivo conhecimento das cláusulas gerais que subscreveram, tal, apenas, se deveu à sua falta de diligência por terem assinado esse documento, sem ter a preocupação de saber qual era o seu conteúdo.
  7. No contexto em referência, pois, tendo em conta as cláusulas de que a A. se socorreu, constarem expressamente do contrato (e apesar de não sair demonstrado a explicação verbal do seu teor, que também se não revelou necessária…), tal possibilitou aos Recorrentes o conhecimento real e efectivo de todos os seus termos, uma vez que lhes foi conferida a possibilidade de as ler, previamente à aposição da sua assinatura, impede a consumação da invocada violação do dever de comunicação e de informação.
  8. Tal significa que, apesar dos termos e modo contratuais, e das suas possíveis implicações, os recorrentes deram, incontornavelmente, a sua adesão ao contrato e aproveitaram as vantagens, dele emergentes. Neste quadro, agora, nesta outra específica temporalidade, ao pretender prevalecer-se da (pretensa) invalidade apontada, os apelantes adoptam um comportamento abusivo e contrário ao direito e à boa fé, o que lhe é vedado pelo art. 334º do Código Civil.
  9. Considerando as reservas que as denominadas inalegabilidades formais têm suscitado, a figura das inalegabilidades não tem margem directa de concretização. Ela postularia a possibilidade de redução teleológica das normas formais, o que não é tecnicamente possível. Em todo o caso, tem-se admitido o bloqueio directo de normas formais e outras em que a mesma solução tem sido atingida, mas por via da invocação do “venire contra factum proprium”, dizendo o seguinte: “As decisões citadas serão justas e adequadas. Possivelmente, só seria possível atingi-las por via da boa fé. Mas, não paralisando, de modo directo, a invocação de nulidades formais, ao mesmo resultado se chegará com invocação da proibição do “venire contra factum proprium”.
  10. A discordância quanto ao direito aplicável ou o erro de julgamento não se incluem nas nulidades da decisão cuja enunciação taxativa consta do art. 615.°. n.º 1. do NCPC (2013). 

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