Contra-ordenação. Direito de defesa. Dolo. Decisão administrativa condenatória. Indeferimento da inquirição de testemunha. Fundamentação da decisão administrativa em processo de contra-ordenação

CONTRA-ORDENAÇÃO. DIREITO DE DEFESA. DOLO. DECISÃO ADMINISTRATIVA CONDENATÓRIA. INDEFERIMENTO DA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA EM PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO

RECURSO CRIMINAL Nº 2666/21.1T9LRA.C1
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Data do Acórdão: 07-06-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA
Legislação: ARTIGOS 1.º, 8.º, N.º 1, 50.º, 54.º E 58.º DO D.L. N.º 433/82 DE 27 DE OUTUBRO/RGCO

Sumário:

I – O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa, que hão-de servir de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, equivale à fase que no processo penal se designa por “inquérito”, cuja finalidade consta do artigo 262.º, n.º 1, do C.P.P.
II – Mesmo que a não audição das testemunhas indicadas pelo arguido ou a omissão de quaisquer diligências por aquele sugeridas acarretasse a nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida, que não acarreta, a inquirição da testemunha levada a efeito na fase contenciosa sempre determinaria a sanação do vício.
III – Sendo preferível, de um ponto de vista formal, que o indeferimento da inquirição da testemunha requerida na fase administrativa conste de um despacho autónomo, anterior à prolação da decisão, a sua inclusão na decisão administrativa em nada belisca o direito de defesa, já que a arguida teve oportunidade de, em audiência de julgamento, ouvir a testemunha.
IV – A imputação de um facto contraordenacional e a responsabilização do agente exigem sempre um nexo de imputação subjetiva, seja através de uma conduta dolosa, seja através de uma conduta negligente, expressa através de factos que consubstanciem efectiva alegação do elemento subjectivo da infracção, quer porque não é indiferente o grau de culpa determinante da conduta, quer porque desse grau de culpa depende a determinação da coima aplicável.
V – A estrutura do dolo é composta por um elemento intelectual e um elemento volitivo, consistindo o primeiro na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito -, e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável, consistindo o elemento volitivo na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo.
VI – Tendo em atenção que a arguida tem actividade no âmbito de alimentos para animais de criação, dizer-se na decisão administrativa que ela conhecia os limites de carga do veículo identificado e que lhe era exigível que cumprisse com os mesmos equivale a afirmar que ela sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
VII – Emergindo o dever de fundamentação directamente do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, como parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, o direito a conhecer as razões do sancionamento é comum quer ao processo criminal quer ao processo de contraordenação mas, atendendo às características da celeridade e simplicidade processual, a fundamentação de uma decisão administrativa em processo de contraordenação consente um modo sumário de fundamentar, mas do qual se possa concluir que quem decidiu não agiu discricionariamente, que a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça e que o controlo da legalidade do decidido, nomeadamente por via de recurso, não é prejudicado ou inviabilizado pela forma que tomou.

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