Condução sob a influência do álcool. Direito de regresso da seguradora. Efeitos do álcool na condução. Presunções judiciais. Nexo causal. Valor do auto de notícia e elementos de prova obtidos através de instrumentos oficialmente aprovados. Valor do princípio do in dúbio pro reo no processo civil

CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL. DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA. EFEITOS DO ÁLCOOL NA CONDUÇÃO. PRESUNÇÕES JUDICIAIS. NEXO CAUSAL. VALOR DO AUTO DE NOTÍCIA E ELEMENTOS DE PROVA OBTIDOS ATRAVÉS DE INSTRUMENTOS OFICIALMENTE APROVADOS. VALOR DO PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO NO PROCESSO CIVIL

APELAÇÃO Nº 746/22.2T8PBL.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acórdão: 26-09-2023
Tribunal: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL
Legislação: ARTIGOS 32.º, 2, 9 E 10 E 280.º, 1 E 2, DA CRP; ARTIGO 27.º, 1, C), DO DL 291/2007, DE 21/8; ARTIGOS 414.º; 526.º; 607.º, 4; 608.º, 2 E 663.º, 2, DO CPC; ARTIGOS 81.º, 2; 64.º, 2, B); 170.º, 1 E 2 E 188.º 1, DO CÓDIGO DA ESTRADA; ARTIGOS 342.º; 346.º; 349.º; 351.º; 483.º, 1 E 2; 487.º, 1 E 2; 494.º; 497.º, 1; 524.º; 562.º; 563.º; 572.º; 582.º; 589.º; 590.º; 592.º, 1; 593.º, 1 E 594.º, DO CÓDIGO CIVIL

 Sumário:

I – O segurador, para que lhe seja reconhecido o direito de regresso relativamente ao condutor que conduzia sob a influência do álcool , não está vinculado à demonstração de uma relação de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, sendo suficiente a prova de que, no momento da eclosão desse acidente, o condutor do veículo automóvel seguro era portador de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que aquele facto danoso é imputável a uma culpa, ainda que meramente presumida, daquele condutor;
II – Constitui um regra ou máxima de experiência – conhecida de qualquer pessoa e que não sendo exclusiva de áreas técnicas, não necessita de ser provada em processo – e da ciência, que após a ingestão do álcool o processo da sua absorção inicia-se de imediato: o álcool entra directamente na corrente sanguínea e atinge rapidamente o cérebro, afectando as capacidades cognitivas e perceptivas do condutor, especialmente a visão e a audição, reduzindo o campo e a capacidade de exploração visual e de readaptação após encandeamento; afecta também a capacidade de reacção, reduz a coordenação motora e a competência de avaliação das distâncias e promove a tendência de sobrevalorização das capacidades e, por consequência, potencia o risco de acidente, que é directamente proporcional à taxa de álcool presente o sangue;
III – Ao juiz é lícito concluir, em face da concreta dinâmica do evento rodoviário danoso, socorrendo-se de uma presunção judicial, que a alcoolemia de que o condutor do veículo automóvel é portador surge como causa próxima ou determinante da eclosão do acidente, desde que exista uma relação entre o facto probatório – a taxa de álcool presente no sangue – e o facto probando – o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, de harmonia com a inferência para a melhor explicação, i.e., sempre que o primeiro constitui a melhor explicação do segundo;
IV – O auto de notícia e os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos oficialmente aprovados gozam de um especial valor probatório – mas de modo algum definitivo, antes só prima facie ou de interim, que é compatível, mesmo em processo contraordenacional, com o princípio in dubio pro reo;
V – A prova prima facie apenas cede através da prova – que compete à parte a quem o facto probando desfavorece – do facto contrario ou da criação de fundadas dúvidas sobre a tipicidade da inferência probatória em que assenta;
VI- O princípio probatório do in dubio pro reo, específico dos processos sancionatórios públicos, não é aplicável em processo civil que tenha por objecto direitos ou interesses puramente jurídico-civis ou privados.

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