Condenação em quantia a liquidar. Factos a considerar no incidente de liquidação. Boa fé objetiva. Parqueamento de veículo sinistrado. Abuso de direito
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR. FACTOS A CONSIDERAR NO INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO. BOA FÉ OBJETIVA. PARQUEAMENTO DE VEÍCULO SINISTRADO. ABUSO DE DIREITO
APELAÇÃO Nº 108/13.2RTPNH-A.C1
Relator: VITOR AMARAL
Data do Acórdão: 09-11-2021
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – PINHEL – JUÍZO C. GENÉRICA
Legislação: ARTºS 609.º, N.º 2, DO NCPCIV.; 334º E 566.º, N.º 3, DO CCIV.
Sumário:
- Ao relegar para ulterior fase/incidente de liquidação o apuramento do valor que o credor tem a receber, o tribunal da condenação já reconheceu a existência de um direito de crédito, que apenas não foi quantificado, devendo sê-lo na posterior liquidação, onde já não se discute a existência do crédito.
- Por isso, tornada definitiva a decisão carecida de liquidação, não releva na fase de liquidação o apuramento de factos tendentes a pôr em dúvida a existência do crédito, nem a respetiva sindicância recursiva.
- A boa-fé objetiva, com acolhimento na figura do abuso do direito, postula a adoção nas relações intersubjetivas (contratuais ou outras, de que nasçam deveres entre as partes/sujeitos) de uma conduta honesta, correta e leal, bem como razoável e transparente, sempre reportada ao correto agir, ao viver honesto, à atuação como pessoa de bem.
- Estando em causa a liquidação de quantia correspondente ao custo de parqueamento de veículo automóvel em oficina, desde determinada data até efetiva reparação da viatura, na lógica da respetiva condenação, com projeção para o futuro, a reparação efetiva surge como pressuposto ou condição da responsabilização da contraparte (no pagamento dos custos de parqueamento a apurar), visto somente fazer sentido a manutenção do veículo no espaço pago da oficina com vista à sua reparação.
- Se, porém, o lesado, ao fim de vários anos de permanência do veículo na oficina, com elevado custo de parqueamento, que pretende imputar à contraparte, retira a viatura e impede a respetiva reparação, tal obriga a concluir ter ele inviabilizado o cumprimento da condição estabelecida – ou do pressuposto configurado, em termos projetivos – na decisão condenatória, sendo a sua conduta culposa idónea a excluir a indemnização (art.º 570.º, n.º 1, do CCiv.).
- Um tal comportamento do lesado sempre surgiria como clamorosamente contraditório e, como tal, manifestamente abusivo e oposto aos ditames da boa-fé objetiva (art.º 334.º, n.º 1, do CCiv.), ao pretender uma indemnização dependente de uma reparação (de veículo automóvel) que o mesmo impediu: primeiro pediu indemnização pelo custo de parqueamento de viatura mantida em oficina para reparação; depois, quando se venceu elevado custo de parqueamento, retirou a viatura da oficina sem qualquer reparação.