Cheque. Título cambiário. Relações mediatas. Relações imediatas

CHEQUE. TÍTULO CAMBIÁRIO. RELAÇÕES MEDIATAS. RELAÇÕES IMEDIATAS
APELAÇÃO Nº
50/16.5T8GVA-A.C1
Relator: SÍLVIA PIRES
Data do Acordão: 21-11-2017
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO COMP. GENÉRICA DE GOUVEIA
Legislação: ARTºS 1º E 22º DA LUCH; ARTº 17.º DA L.U.L.L.
Sumário:

  1. De acordo com a definição que nos é dada pelo art.º 1º da LUCh, o cheque é uma ordem escrita sobre um banco para que pague ao emitente ou à pessoa inscrita como último beneficiário uma certa importância em dinheiro, com base em fundos disponíveis para o efeito, que contém o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, a assinatura de quem a passa e a indicação da data em que e o lugar onde é passada.
  2. Assim, o direito de crédito cambiário está consubstanciado no docu­mento, o conteúdo da obrigação cambiária é o que ele revela e é independente da respectiva causa debendi.
  3. Os princípios da literalidade e da abstracção são instrumentais em relação à independência do direito cambiário face à causa que esteve na origem da sua constituição.
  4. No entanto, a plena relevância das aludidas características da literalidade e abstracção depende do cheque entrar em circulação, ou seja, de passar à titularidade de terceiros.
  5. Deste modo, é de todo o interesse, nas relações cambiárias distinguir-se entre as imediatas, que se estabelecem entre os sujeitos seus intervenientes directos, sem intermediação de outrem, como é o caso, por exemplo, do sacador e do acei­tante, e as mediatas, em que o portador é estranho às relações extracartulares, o que ocorre quando os cheques são endossadas a um terceiro, que, por via desse endosso, passa a integrar a cadeia de sujeitos cambiários.
  6. A inoponibilidade das excepções causais a terceiros não reside na abstracção dos títulos de crédito, fundamento que não explicaria a possibilidade dessa defesa já poder valer nas relações imediatas, antes tendo explicação no princípio res inter alii neque nocere neque processe potest.
  7. Diz-se que o cheque está no domínio das relações mediatas quando o portador é uma pessoa estranha à convenção extracartular subjacente.
  8. Ora, no presente caso, apesar do cheque ter sido emitido pelo devedor a favor de terceira pessoa que o endossou à exequente, a relação subjacente à sua emissão tem como sujeitos precisamente o devedor e a sua atual portadora, pelo que esta não é uma pessoa estranha à relação extracartular, não tendo aqui aplicação o princípio res inter alios acta, não havendo por isso qualquer razão que justifique a existência do impedimento previsto no art.º 22º da LUCh.
  9. Se o cheque dado à execução foi emitido para pagamento de parte do preço acordado num contrato de empreitada celebrado entre a exequente e o executado, não há qualquer justificação para que o executado – o sacador do cheque – não possa opor à exequente – a actual portadora do cheque – defesa com base nas relações estabelecidas pelo contrato de empreitada, uma vez que esta não é estranha a essas relações, pelo que não tem aqui aplicação o disposto no art.º 22º da LUCh.

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