Carta por pontos. Perda de pontos. Cassação do título de condução. Princípio ne bis in idem. Princípio da necessidade
CARTA POR PONTOS. PERDA DE PONTOS. CASSAÇÃO DO TÍTULO DE CONDUÇÃO. PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM. PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
RECURSO CRIMINAL Nº 78/22.6T8ALD.C1
Relator: HELENA BOLIEIRO
Data do Acórdão: 07-06-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Legislação: ARTIGOS 18.º, N.º 2, E 29.º, N.º 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; LEI N.º 116/2015, DE 28 DE AGOSTO; ARTIGOS 121.º-A, 148.º, NºS1, 2, 4, 5, 6, 7, 10 E 11, E 149.º DO CÓDIGO DA ESTRADA; ARTIGO 4.º, N.º1, DO DECRETO-LEI N.º 317/94, DE 24 DE DEZEMBRO/REGISTO INDIVIDUAL DO /RIC; ARTIGO 79.º, N.º 1 DO RGCO
Sumário:
I – O sistema de pontos em que assenta a “carta por pontos” traduz uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar, em termos de perigosidade, os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contra-ordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, no que toca a uma eventual reavaliação da autorização administrativa habilitante ou licença de condução de veículos automóveis e que poderá culminar com a decisão de cassação da carta de condução.
II – A perda de pontos não consubstancia uma sanção adicional à condenação, tratando-se, ao invés, de um efeito jurídico ope legis, não sancionatório, que prescinde de qualquer intervenção de autoridades públicas na contínua consideração da capacidade do sujeito para a condução.
III – A cassação prevista no 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, também não consubstancia “uma condenação suplementar” ou uma “segunda pena”, antes traduz o efeito jurídico, não da prática de crimes, mas da perda da totalidade dos pontos do condutor, dando origem à verificação da condição negativa de atribuição do título de condução.
IV – A opção do legislador de fazer operar a subtracção e, quando ela atinge todos os pontos do condutor infractor, de estabelecer como efeito a cassação do seu título de condução, enquanto restrição do direito de conduzir, revela-se necessária, adequada e proporcional à salvaguarda de interesses constitucionalmente legítimos, como a vida, a integridade física e o património de terceiros utentes da via pública, bem como da segurança rodoviária e saúde pública, face à gravidade das consequências que poderão advir da prática dos crimes que determinam a aplicação de pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor.
V – Não se trata da perda de um direito adquirido, mas da verificação de uma condição negativa de um direito não absoluto nem incondicional, pois que com o sistema de “carta por pontos” nunca a licença de condução poderá ser considerada definitivamente adquirida, uma vez que está continuamente sujeita a uma condição negativa relativa ao “bom comportamento rodoviário”, tudo se passando como se o período experimental correspondente ao título de condução provisório se prolongasse continuamente, embora em termos diferentes.
VI – As Relações e, mais recentemente, o Tribunal Constitucional têm concluído de forma praticamente constante no sentido de que as normas que determinam a cassação do título de condução por perda total de pontos do condutor são concordantes com as normas e princípios consagrados na Constituição, nomeadamente com os seus artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 5.