Apreensão de bem. Validade. Violência doméstica. Homicídio na forma tentada. Concurso real
APREENSÃO DE BEM. VALIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA. CONCURSO REAL
RECURSO CRIMINAL Nº 165/20.5GDLRA.C1
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Data do Acórdão: 17-03-2022
Tribunal: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – J1)
Legislação: ART.ºS 249.º, N.ºS 1 E 2, AL. C); 178.º, N.ºS 1, 3, 5 E 6, AMBOS DO CPP.
Sumário:
- A apreensão de um computador portátil quando os elementos dos OPC se deslocaram – por ordem do Mmo. Juiz de Instrução após o primeiro interrogatório judicial do arguido no decurso do qual foi determinada a sujeição deste à medida de coação de prisão preventiva – à residência onde se situava o quarto arrendado pelo arguido, para aí receberem todos os bens pertença deste, entre os quais, se contava o aludido computador, por suspeitarem que o mesmo pudesse conter ficheiros com conteúdo relevante para a investigação dos factos em apreço nos autos, tendo os mencionados elementos dos OPC contactado a Magistrada do Mº Pº titular do processo no sentido de saber qual o destino a dar àqueles, tendo-lhes por esta sido ordenada a respectiva apreensão com vista a realização de perícia, porque realizada ao abrigo do disposto pelos art.ºs 249º, nºs 1 e 2, alínea c) do CPP, e obedeceu aos requisitos legais previstos no art. 178º, nºs 1, 3, 5 e 6 do CPP, não está, por isso, inquinada de qualquer nulidade.
- Para aferir da existência ou não de concurso aparente de crimes em relação às condutas levadas a cabo pelo arguido em causa nos autos tipificadas como crimes de violência doméstica e de homicídio qualificado, na forma tentada, o que há a ponderar, são essas concretas condutas.
- Perante elas há que dizer que o objectivo do arguido perante os factos ocorridos no dia 18 de Janeiro de 2021 era o de matar a vítima como está expresso no ponto 92. do elenco dos factos provados constantes do acórdão recorrido, enquanto que em relação às demais condutas que o arguido levou a cabo em relação à mesma vítima, algumas delas anteriores à referida data e outra posterior, o seu propósito foi o de a maltratar física e psiquicamente a mesma, atingindo a tranquilidade, a honra e a dignidade pessoal desta, como deflui do ponto 90. do mesmo elenco dos factos provados.
- Tratam-se, pois, inequivocamente, de condutas diferenciadas, atacando bens jurídicos com uma inescapável pluralidade de sentidos de ilicitude, ou seja, pluralidade de infracções diferencialmente valoradas para efeito da sua punição.
- Ao nível do bem jurídico a actuação do recorrente ocorrida no dia 18 de Janeiro de 2021 (que integra o crime de homicídio qualificado na forma tentada), atenta contra a vida da vítima CP, enquanto que as demais condutas perpetradas pelo recorrente, ocorridas antes e despois da referida data (que integram o crime de violência doméstica) violam não apenas a saúde, seja ela física, psíquica e mental, mas, antes a integridade pessoal, ligado à defesa da dignidade da pessoa humana, em todas as suas dimensões, da vítima, sua mulher.
- Resulta, assim, estarmos perante uma pluralidade de processos resolutivos, com violação de bens jurídicos diferentes. Razão pela qual devem ser autonomizados.
- Isto é, impõe-se concluirmos não existir um sentido autónomo de ilicitude em relação à globalidade da sua conduta à qual possa corresponder, citando Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, pág. 989-990, uma “predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados” caso em que se estaria perante uma situação de concurso aparente de crimes.
- Mas antes, que, perante o quadro factual assente, se verifica que o crime de homicídio qualificado na forma tentada, que tutela um bem jurídico distinto e resulta de uma diferente resolução criminosa, ganha autonomia e está numa relação de concurso efectivo, e não apenas aparente, com o crime de violência doméstica, pelo que, verificando-se uma pluralidade de processos resolutivos, com violação de bens jurídicos diferentes, tais condutas criminosas devem ser autonomizadas.
- Por isso, destacando-se os actos que materializam a tentativa de homicídio daqueles que integram a prática do crime de violência doméstica, descortinando-se diferentes sentidos de ilicitude, com pluralidade de bens jurídicos afectados e pluralidade de resoluções criminosas, há concurso efectivo entre os crimes de homicídio na forma tentada e de violência doméstica.
- Pelo que, o crime de violência doméstica e o crime de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, cometidos pelo recorrente assumem autonomia, encontrando-se tais crimes numa relação de concurso real efectivo.