Danos patrimoniais. Danos não patrimoniais. Cálculo da indemnização. Matéria de facto. Julgamento
DANOS PATRIMONIAIS. DANOS NÃO PATRIMONIAIS. CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO. MATÉRIA DE FACTO. JULGAMENTO
APELAÇÃO Nº 793/07.4TBAND.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acordão: 21-03-2013
Tribunal: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL DE ANADIA
Legislação: ARTºS 493º, 494º E 661º, Nº 1 DO C. CIVIL.
Sumário:
- Ainda que os danos revistam uma natureza diferenciada – como por exemplo, a decorrente da fundamental dicotomia entre dano patrimonial e não patrimonial – e, por isso, o cálculo da respectiva indemnização obedeça a parâmetros distintos, os seus beneficiários não ficam investidos em vários direitos de crédito – tantos quantas as parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano – mas num único direito de crédito.
- É justamente isto que explica, v.g., que os limites da condenação, ditados pelo princípio da disponibilidade objectiva, se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano (artº 661, nº 1 do CPC), e que a proibição da reformatio in mellius – que é um simples consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, que vincula a que esse tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto – não seja violada pela circunstância de o tribunal de recurso confirmar a procedência do quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas.
- Se, por exemplo, o autor pede uma determinada indemnização para pagamento dos vários prejuízos decorrentes de um acidente de viação, o tribunal de recurso pode considerar a acção totalmente procedente, ainda que faça uma diferente avaliação de cada um desses prejuízos.
- Identicamente, o tribunal ad quem pode julgar o recurso procedente, quantificando diferentemente os diversos danos que devem ser reparados ou compensados.
- No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal.
- A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto.
- O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual; o dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro; é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária.
- No tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil).
- Entre as outras circunstâncias do caso, devem indicar-se o carácter do bem jurídico atingido e a natureza e a intensidade do dano causado, o género e a idade da vítima – excepto, talvez, no tocante ao cômputo do dano morte stricto sensu – etc.
- Em qualquer caso, a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (artº 8º, nº 3 do Código Civil).
- A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496º, nº 1 do Código Civil).
- Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.
- Uma jurisprudência reiterada do Supremo sustenta que uma diminuição funcional e somático-psíquica relevante do lesado, com uma repercussão substancial na sua vida profissional e pessoal se resolve num dano biológico, reparável como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial e não patrimonial.
- De harmonia com esta jurisprudência, a ressarcibilidade do dano biológico – representado pelas limitações funcionais relevantes e por sequelas psíquicas graves – visa compensar o lesado, para além da presumida perda de rendimentos associada ao grau de incapacidade de que o lesado é portador, também da inerente perda de capacidades e competências, mesmo que essa perda não esteja imediata e totalmente reflectida ao nível do rendimento auferido.
- O fundamento da compensação do dano biológico é, à luz desta jurisprudência, duplo: a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando uma patente redução de oportunidades geradoras de possíveis acréscimos patrimoniais futuros, irremissivelmente frustados pelo grau de incapacidade que definitivamente afecta o lesado; o acrescido grau de penosidade e esforço experimentado pelo lesado, no seu quotidiano, imposto pelas funcionais, graves e irreversíveis, de que é portador, consequentes à lesão física sofrida.
- Quando a existência do dano não ofereça dúvida mas se desconhece o respectivo quantum, a única solução admissível é, tanto no tocante aos danos futuros como no tocante aos danos presentes ainda não determináveis, a condenação do responsável na obrigação de os indemnizar – e a remessa da fixação dessa indemnização para momento posterior (artº 564º, nº 2 do Código Civil).
- A obrigação de reparar o dano com o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização é exigível, em princípio, desde o momento em que o devedor se considera constituído em mora (artºs 804 nºs 1 e 2 e 806 nº 1 do Código Civil). E esse momento é o da sua citação para a acção (artº 805 nº 3 do Código Civil).
- Ao valor da indemnização dos danos patrimoniais apontado deve, por isso, acrescer o valor da indemnização, contada desde a citação da recorrida para a acção, correspondente aos juros legais: 4% ao ano (Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril).
- No tocante aos danos não patrimoniais, dado que o seu cálculo da compensação é feito de forma actualizada, i.e., por referência à data do proferimento da decisão, a indemnização moratória apenas é devida da prolacção da decisão actualizadora e não desde a data da citação (Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002).