Insolvência. Legitimidade activa. Credor. Requerimento

INSOLVÊNCIA. LEGITIMIDADE ACTIVA. CREDOR. REQUERIMENTO

APELAÇÃO Nº 689/11.5TBLSA.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES 
Data do Acordão: 29-02-2012
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSà
Legislação: ARTºS 17º E 20º DO CIRE
Sumário:

  1. O problema da legitimidade do credor para deduzir o pedido de insolvência tem dado lugar a uma jurisprudência desencontrada das Relações, sustentado uns que só é dotado de legitimidade para promover o procedimento de insolvência o credor cujo crédito não é controvertido ou litigioso e advogando outros que mesmo ao credor de crédito litigioso dispõe daquela legitimidade.
  2. A razão está, porém, do lado de quem entende que o carácter litigioso do crédito não tolhe a legitimidade do credor para requerer a declaração de insolvência.
  3. No plano do processo de insolvência a legitimidade a que lei se refere é, nitidamente, não a legitimidade substantiva – mas a legitimidade processual, ad causam (artº 20 nº 1 do CIRE). Portanto, essa legitimidade é aferida nos termos gerais (artº 17 do CIRE).
  4. Assim, e de harmonia com esses termos, é de toda a conveniência não confundir legitimidade para pedir ou requerer, com procedência ou mérito do pedido ou requerimento correspondente (artº 26 nºs 1 e 3 do CPC, ex-vi artº 17 do CIRE).
  5. Nestas condições, é dotado de legitimidade para requerer a declaração de insolvência quem se atribua a qualidade de credor do requerido e não quem seja, efectivamente, na realidade, credor do demandado.
  6. A questão de saber se o requerente é ou não credor do requerido prende-se com o mérito ou com o fundo da causa e não com a questão da legitimidade ad causam para deduzir o pedido de insolvência, que apenas respeita ao preenchimento de um pressuposto processual positivo e, portanto, a uma excepção dilatória imprópria.
  7. Do mesmo modo, parte legítima no processo de insolvência não é credor e o devedor, mas quem alega ter sido constituída a seu favor uma obrigação e a pessoa que, segundo o requerente, se obrigou – um e outro são partes legítimas.
  8. Se todavia, vem a apurar-se mais tarde que o primeiro era credor aparente e o segundo devedor suposto, portanto, que na realidade nunca o primeiro fora titular do direito de crédito e nunca o segundo fora o devedor, a consequência é não a absolvição da instância do demandado, por ilegitimidade ad causam do primeiro, mas a absolvição do segundo do pedido.
  9. A atribuição de legitimidade para deduzir o pedido de insolvência apenas ao credor cujo crédito não tenha sido contestado, restringiria, grave e injustificadamente, o meio de tutela jurisdicional do direito crédito – seja do requerente da insolvência seja dos demais credores do requerido – representado pela insolvência: é que bastaria ao devedor, ainda que de forma patentemente infundada, contestar o crédito do requerente para se concluir pela ilegitimidade do requerente e, consequentemente, para se obviar à declaração de insolvência.
  10. Está adquirido à certeza que o carácter condicional do crédito – seja a condição suspensiva ou resolutivo – não tolhe a legitimidade do requerente da insolvência.
  11. Portanto, admite-se a requerer a insolvência ao credor cujo crédito ainda nem sequer se mostra constituído – dado que essa constituição depende da verificação de um facto futuro e incerto.
  12. O facto de entre as partes se encontrar pendente acção que tem também por objecto a questão da resolução do contrato promessa de compra e venda e a imputabilidade do não cumprimento definitivo das prestações de facto jurídico positivo que dele emergem, não constitui obstáculo a que, no contexto de insolvência, se conheça de tais questões.
  13. Por esta razão: a da auto-suficiência do processo de insolvência, tomada aqui com o significado de que esse processo é, em regra, o lugar adequado ao conhecimento de todas as questões cuja solução se revele necessária para a decisão a tomar – a declaração de insolvência (artº 96 nº 1 do CPC).

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