Investigação de paternidade. Caducidade

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. CADUCIDADE. RECURSO DE FACTO. ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
APELAÇÃO Nº
495/04.3TBOBR.C1
Relator: CARLOS GIL
Data do Acordão: 19-01-2010
Tribunal: OLIVEIRA DO BAIRRO 
Legislação: ARTS.690-A, 712 CPC 1816, 1817,1871 CC, LEI Nº 14/2009 DE 1/4
Sumário:

  1. O ónus imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, no que tange a indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada, teve em vista essencialmente a situação em que a pretensão do recorrente se funda na existência de provas que conduzem a um resultado probatório diferente daquele que foi acolhido na decisão, ou seja, nos casos em que o recorrente sustenta a existência de prova do contrário ou de contraprova daquela que na decisão foi relevada.
  2. Nas situações em que o erro de julgamento da matéria de facto deriva simplesmente do meio de prova aduzido para fundamentar a decisão do ponto de facto impugnado, por não conduzir a tal resultado probatório ou em que é alegada falta de credibilidade de um meio de prova, o ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa tem de ser adequadamente entendido.
  3. Assim, na primeira situação enunciada o recorrente observará suficientemente o ónus processual previsto na alínea b), do nº 1, do artigo 690º-A, do Código de Processo Civil, indicando o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação.
  4. Porque o recurso da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que proceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela verificação de um erro de julgamento de facto, não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por parte do tribunal de primeira instância.
  5. A posse de estado, como resulta das previsões dos artigos 1816º, nº 2, alínea a) e 1871º, nº 1, alínea a), ambos do Código Civil, decompõe-se em três elementos distintos – o nome, o tratamento e a fama. Existe nome quando o filho chama o pretenso pai como pai e este, por sua vez, chama ao investigante filho. O tratamento consiste no comportamento do pretenso pai que, visto exteriormente, cria uma aparência reveladora de laços de filiação biológica. A fama é a reputação de que goza o investigante, junto da generalidade das pessoas que o conhecem ou que sabem da sua existência, de que o seu pai é o investigado.
  6. Não é suficiente para integrar a posse de estado, a prova de que o pretenso pai era conhecido pela alcunha de “cigano” e a autora era alcunhada de “ciganucha” pelas pessoas da localidade, a circunstância do pai do investigado oferecer à autora dinheiro para o casamento e o facto de, perto da sua morte, o investigado dizer a uma testemunha que era o pai da autora.
  7. O Ac do TC nº 23/2006 de 10/1 ( DR 1ª Série-A de 8/2) declarou “ a inconstitucionalidade , com força obrigatória geral, da norma constante do nº1 do artigo 1817 do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873 do mesmo Código, na medida em que prevê para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante”. A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1, do artigo 1817º, do Código Civil, retroage os seus efeitos até ao início da vigência da norma constitucional que determina a invalidade da norma legal, devendo ser havida como uma alteração da legislação vigente em termos de permitir a investigação de paternidade a todo o tempo.
  8. A Lei nº 14/2009 de 1 Abril alterou o nº1 do art.1817 do Código Civil, prevendo o prazo de dez anos posteriores à maioridade ou emancipação para a acção de investigação de maternidade, aplicável à investigação de paternidade ( art.1873 CC ). A lei, que entrou em vigor em 2 de Abril de 2009, aplica-se aos processo pendentes, por força do seu art.3º ( “ A presente lei aplica-se aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”).
  9. O art.3º da Lei nº 14/2009 de 1 de Abril que determina a aplicação aos processos pendentes do prazo de caducidade de dez anos ( nº1 do art.1817 CC), não é materialmente inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da confiança e da igualdade, quando a acção de investigação é proposta em 14/5/2004, antes da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo ac. do TC nº 23/2006 de 10/1.
  10. É que, nessa data, a autora não tinha qualquer razão plausível para confiar na insusceptibilidade da caducidade da acção de investigação de paternidade e a diversidade de regimes jurídicos que resulta para os cidadãos que instauraram acção antes e depois da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo ac. do TC nº 23/2006, deriva dos regimes jurídicos distintos que esses mesmos cidadãos tiveram em vista no momento da propositura da acção.

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