Representação sem poderes. Responsabilidade contratual. Empresa. Representado. Abuso de direito

REPRESENTAÇÃO SEM PODERES. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. EMPRESA. REPRESENTADO. ABUSO DE DIREITO  

APELAÇÃO Nº 3841/07.4TBAVR.C1
Relator: SÍLVIA PIRES 
Data do Acordão: 24-01-2012
Tribunal: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL DE AVEIRO
Legislação: ARTºS 23º, Nº 1 DO D. L. Nº 178/86, DE 3/07; 277º E 334º DO C. CIVIL
Sumário:

  1. Quando uma organização em cujo nome actue alguém a ela pertencente, em termos tais que, de acordo com os dados sócio-culturais vigentes e tendo em consideração a sua inserção orgânica nessa organização, pareça estar dotada poderes de representação, sem os ter, estamos perante uma representação aparente.
  2. Nestes casos deve ser aplicado por analogia o regime do art.º 23º, nº 1 do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, porquanto a sua aplicação radicará numa solução prudente e equilibrada entre os interesses do terceiro e do representado.
  3. Mas se o terceiro sabia que o funcionário em causa não dispunha de poderes para obrigar a sua entidade patronal, sendo imprescindível a intervenção de um dos administradores desta, não está presente um elemento essencial ao reconhecimento de efeitos a uma representação aparente.
  4. A mera colaboração de um terceiro na elaboração de uma candidatura a um concurso público duma empreitada, só por si, não integra uma fase preliminar de qualquer processo contratual de subempreitada, uma vez que essa colaboração, sem mais, consubstancia antes a prestação de um serviço e não qualquer diligência pré-ordenada à outorga de um futuro contrato.
  5. Tem vindo a defender-se a existência de uma responsabilidade pela confiança, inserida num espaço intermédio entre a responsabilidade contratual e a aquiliana, distinta da responsabilidade pré-contratual.
  6. Esta responsabilidade tem apenas como requisito a existência duma situação de criação-defraudação de confiança, sem que seja necessária a verificação de qualquer violação de deveres de actuar, sendo a expressão duma justiça comutativa.
  7. Esta responsabilidade encontra amparo de iure constituto na relevância da figura do venire contra factum próprio, enquanto modalidade da figura do abuso do direito – artigo 334º do C. Civil -, o qual não é aqui encarado enquanto violação de deveres de comportamento, mas sim enquanto mera contradição de condutas lícitas, defraudatória de expectativas criadas
  8. Verifica-se esta responsabilidade quando um funcionário de uma sociedade, sem poderes para a representar, nem operando uma representação aparente, garante a terceiro que a sua entidade patronal outorgará com ele determinado contrato, caso este adopte determinado comportamento, gerando uma legítima expectativa nesse terceiro que tal contrato se irá realizar, desde que ele corresponda ao que lhe é solicitado, não se tendo concretizado tal promessa.
  9. Mas os danos a ressarcir só podem ser os derivados da contraparte ter confiado na celebração do contrato (v.g. despesas realizadas antecipadamente), e nunca os que resultaram de não se ter efectivado esse contrato (lucro cessante).

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