Acidente de viação
ACIDENTE DE VIAÇÃO
APELAÇÃO Nº 3480/03
Relator: DR. JORGE ARCANJO
Data do Acordão: 25-05-2004
Tribunal: GUARDA
Legislação: ARTS. 496, 503, 508, 566 DO CC, ART.6° DO DL 522/85, DL 59/2004 DE 19/3.
Sumário:
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Configura uma situação de “manobra de recurso ou de salvamento” inserida no mecanismo do estado de necessidade, sendo suficiente para afastar a presunção legal de culpa o art. 503.º n.º3 do Código Civil, a circunstância da Ré, que transportava crianças numa carrinha, perante uma falha súbita no travão de serviço, numa descida muito acentuada, haver guinado para a direita, desviando o veículo de encontro a um monte de areia, situado a berma direita, com o propósito de evitar um acidente de maior gravidade, mas porque este obstáculo não foi suficiente para o mobilizar, acabou por embater numa betoneira, que, por seu turno, foi embater contra o Autor, fora da faixa de rodagem, que na altura se encontrava a cerca de 3 metros da porta do prédio que andava a construir.
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Nesta situação, o acidente verificou-se por causa não imputável à Ré, condutora do veículo, mas não estranha à circulação do referido veículo automóvel, pelo que apenas pode haver lugar à responsabilidade objectiva ou pelo risco.
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O art. 508° n.º 1 do Código Civil, foi tacitamente revogado pelo artigo 6° do Decreto-Lei n.º 522/85, e 31 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 3/96, de 25 de Janeiro.
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O Decreto-Lei n.º 59/2004 de 19 de Março, que alterou a redacção do art. 508 do Código Civil, tem natureza de “Lei interpretativa”, pelo que os limites máximos da indemnização pelo risco são os do limite mínimo do seguro obrigatório, em vigor à data do acidente.
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Considerando que a vítima tinha 27 de idade, à data do acidente, trabalhava na construção civil, por conta de outrem, auferindo um rendimento anula de 1.728.000$00, e ficou com uma incapacidade total para o trabalho, deve fixar-se equitativamente o dano patrimonial futuro em € 249.398,95.
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Comprovando-se que – a vítima, jovem de 27 anos de idade, esteve cerca de um mês em coma, para além de vários períodos de internamento hospitalar, ficou com descoordenação motora dos membros superiores e inferiores (tetraparésia), resultando uma incapacidade total e absoluta para o trabalho que exercia e tarefas similares, ficando impossibilitado de, por si só, se bastar nas tarefas correntes da vida comum, não sendo capaz, por exemplo, de escrever ou desenhar, assegurar qualquer tarefa doméstica, vestir-se sem ajuda de um terceiro, ou realizar qualquer outra tarefa em que se exija um mínimo de precisão, que apenas se desloca com a ajuda de duas canadianas e com grandes dificuldades e apenas durante curtos trajectos, tendo ficado com problemas na fala, exprimindo-se com muita dificuldade, revela dificuldade em seguir ou apresentar um raciocínio mais longo ou complexo, vendo-se muitas vezes incapaz de raciocinar normalmente, como fazia até à data do acidente, para além de ter ficado sexualmente impotente, era um jovem cheio de vida, força e saúde, formando com esposa e os dois filhos do casal uma família alegre e feliz, cheia de projectos para o futuro, que ficaram destruídos com o acidente, de tal forma que se sente um fardo inútil, perdeu toda a alegria de viver, sofrendo, perturbações psicogénicas e emocionais, com períodos de grande instabilidade e insónias, que continuam a exigir tratamento, – deve atribuir-se equitativamente a indemnização pelo dano não patrimonial no valor de € 175.000,00.
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O art. 496 n.º 2 do Código Civil é susceptível de interpretação extensiva, de modo a abranger os danos não patrimoniais indirectos da esposa da vítima, por ter ficado gravemente prejudicada a sua relação com o lesado.
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Comprovando-se que esposa da vítima viu também os seus sonhos serem desfeitos, tornando-se, em permanência a enfermeira do seu marido; ficou impedida de exercer a vida normal de um casal que tinha tudo para ser feliz, condenada a um estado de viuvez, sem ser viúva, para o resto da sua vida; passou a suportar a responsabilidade de cuidar em permanência de um doente e de duas crianças; sofreu profundamente, sendo grande a aflição, angústia, sobretudo durante o período de um mês em que o seu marido esteve em coma, sem saber se ia viver ou morrer ficou impossibilitada de ter relações sexuais com o marido, por este ficar impotente, é de arbitrar a indemnização pelo dano não patrimonial em € 40.000,00.