Convenção de cheque. Operação bancária. Revogação. Erro. Vontade

CONVENÇÃO DE CHEQUE. OPERAÇÃO BANCÁRIA. REVOGAÇÃO. ERRO. VONTADE
APELAÇÃO Nº
343/09.8T2ALD.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acordão: 17-04-2012
Tribunal: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE ALBERGARIA-A-VELHA
Legislação: ARTºS 344º, 362º, 363º E 408º DO CÓDIGO COMERCIAL; 4º E 8º DO RGIC, APROVADO PELO D. L. Nº 298/92, DE 31/123; 3º E 32º DA LUCH.
Sumário:

  1. A abertura de conta e o depósito bancário são operações, rectior, contratos bancários, reservadas a banqueiros (artºs 362º do Código Comercial e 4º e 8º, nºs 1 e 2 do RGIC, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro).
  2. As operações bancárias são reguladas pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem ou que afinal se resolverem (artº 363º do Código Comercial).
  3. A abertura de conta é um contrato celebrado entre um banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos e diversas práticas bancárias. Trata-se de um contrato bancário nuclear ou central, que, embora sem regime legal explícito, constitui a moldura dos diversos actos bancários subsequentes.
  4. O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, pela aposição da assinatura em local bem demarcado e tem por conteúdo necessário uma conta-corrente bancária, como operação associada o depósito bancário e como elemento eventual, entre outros, o negócio de concessão de crédito por descoberto em conta.
  5. A conta-corrente bancária é uma conta-corrente comum mas celebrada entre o banqueiro e o cliente que se inclui no negócio jurídico mais vasto representado pela conta bancária: através dela fica assente o modo pelo qual a conta é movimentada em termos de débito e de crédito e tem por elemento nuclear o saldo, verdadeiramente autónomo em relação aos créditos que o antecedem (artº 344º do Código Comercial).
  6. O depósito bancário, em sentido estrito ou próprio, ou depósito de dinheiro ou disponibilidades monetárias, é o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma quantia pecuniária a um banco, que dela passa a dispor livremente e se obriga a restituí-la, a solicitação do depositante, nas condições convencionadas (artºs 408º do Código Comercial e 1º do DL nº 430/91, de 2 de Novembro).
  7. A natureza jurídica precisa do depósito bancário é muito discutida. Alguma doutrina, e sobretudo a jurisprudência, considera-o um depósito irregular; outra sustenta que tem a natureza de mútuo; finalmente há quem o encare como figura unitária, típica, autónoma, próxima do depósito irregular.
  8. Um outro negócio subsequente à abertura de conta é a convenção de cheque, que tanto pode ser expressa como meramente tácita. Em regra, a convenção de cheque surge associada a um contrato de abertura de conta. Trata-se, porém, de uma convenção autónoma e não um simples acto integrado no negócio mais vasto da abertura de conta.
  9. A convenção de cheque é, assim, o contrato, expresso ou tácito, pelo qual o depositante fica com o direito de dispor de uma provisão, por meio de cheque, obrigando-se o banco a pagar o cheque até ao limite da quantia disponível, quer esta resulte de um depósito antecipadamente efectuado ou de crédito concedido pelo banqueiro (artº 3º da LUCh). Esta convenção tem por fim a atribuição ao cliente do direito de dispor de fundos por meio de um ou mais cheques: o direito de dispor de fundos por cheque equivale ao direito de sacar cheques.
  10. Em face do regime da convenção de cheque, é controversa a sua natureza. No entanto, a jurisprudência e uma doutrina maioritária são hesitam em assimilá-la a um contrato de mandato, não representativo, ordenado, justamente, para a realização dos actos jurídicos inerentes ao pagamento do cheque.
  11. Esta qualificação é extraordinariamente importante, dado que, em tudo o não for objecto de regulação específica, são aplicáveis as regras do mandato – seja directamente seja por força da extensão de regime das regras desse tipo contratual a todas as modalidades atípicas de contrato de prestação de serviço (artº 1156º do Código Civil). XI – Realmente, o sacado mais não é do que um simples mandatário ou executante de uma ordem do sacador; a relação intercedente entre o banco e o sacador não tem por fonte o acto de emissão do título – mas um negócio jurídico que lhe é interior: a convenção ou contrato de cheque.
  12. O cheque pode extinguir-se por uma multiplicidade de causas, como, por exemplo, o pagamento, a prescrição e – embora impropriamente – a rescisão e, caso que interessa especialmente à economia do recurso – a revogação.
  13. O direito de sacar cheques envolve o direito de os revogar. A revogação é, assim, a faculdade que assiste ao sacador de, mediante uma contra-ordem ao sacado, privar o cheque dos seus efeitos próprios, já depois de ter sido posto em circulação (artº 32º da LUCh)
  14. A Lei Uniforme relativa ao Cheque é terminante na declaração de que a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação (artº 32º, corpo).
  15. Note-se que não se proíbe a revogação do cheque, desde a sua emissão, antes se declara simplesmente que essa declaração produz os seus efeitos só depois do termo do prazo de apresentação.
  16. Realmente, o exame dos trabalhos preparatórios da Lei Uniforme, inculcam que a revogação que regula abstrai – salvo o disposto no seu artº 21º – das situações em que haja justa causa de não pagamento do cheque, designadamente nos casos de furto, de extravio, coacção moral, incapacidade acidental ou qualquer outra situação de falta ou de vício na formação da vontade, cujo regime foi deixado ao critério de cada uma das Partes Contratantes (artº 16º do Anexo II da Convenção de Genebra de 19 de Março de 1931, de que a Lei Uniforme Relativa ao Cheque constitui o Anexo I).
  17. Na interpretação da 1ª parte do artº 32º da LUCh há, portanto, que fazer um distinguo entre a revogação proprio sensu do cheque ou simples proibição do seu pagamento – e a ordem de não pagamento motivada por uma qualquer irregularidade na posse do portador ou assente ou determinada por um qualquer facto que se resolva numa falta ou num vício na formação da vontade.
  18. A proposição uniformizadora do Acórdão nº 4/2008 tem por objecto apenas os casos de revogação, proprio sensu, do cheque, e bem assim aqueles em que é alegada um justa causa assente na invocação abstracta e infundamentada da categoria jurídica falta ou vício na formação da vontade, que, na lógica do Acórdão nº 4/2008, se reconduzem também a uma revogação ad nutum do cheque. Em qualquer caso, a recusa de pagamento do cheque pelo sacado constitui um acto ilícito susceptível de o constituir numa responsabilidade delitual face ao portador do cheque.
  19. Portanto, fora do espectro uniformizador do Acórdão nº 4/2008, ficou a ordem de não pagamento do cheque com fundamento, sério e concretizado, no furto, extravio ou falsificação do cheque e na falta ou vício na formação da vontade, i.e., em que se verifica, em concreto, uma justa causa de oposição ao pagamento, pelo sacador, do cheque, pelo sacado, ao portador.
  20. Porém, o sacado só deve aceitar a ordem de não pagamento, fundada no falta ou num vício na formação da vontade, quando, em face da declaração do sacador, existiam indícios sérios, fundados, da verificação do vício alegado.
  21. É este, de resto, o critério de que a lei se socorre para justificar o não pagamento do cheque pelo sacado – nas hipóteses em que esse pagamento é obrigatório – nos casos de falsificação, furto, abuso de confiança ou apropriação ilícita do cheque: qualquer destes factos só legitima a recusa do pagamento pelo sacado se houver sérios indícios da sua verificação (artº 8º, nº 3 do DL nº 454/91, de 28 de Dezembro).
  22. O erro-vício na formação da vontade consiste na ignorância ou falsa representação da realidade, portanto, de factos ou circunstâncias já ocorridas, no passado ou no presente.

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