Legitimidade processual. Protecção do consumidor. Direitos de crédito

LEGITIMIDADE PROCESSUAL PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS DIREITOS DE CRÉDITO DA EMPRESA FORNECEDORA ENERGIA DE ALTA TENSÃO
APELAÇÃO N.º 2465/06.8TBAVR.C1
Relator: DR. GREGÓRIO JESUS
Data do Acordão: 19-02-2008
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE AVEIRO – 2º JUÍZO CÍVEL
Legislação Nacional: ARTºS 10º, NºS 1, 2 E 3, DA LEI Nº 23/96, DE 26/07, E 26º DO CPC
Sumário:

  1. A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.
  2. O objectivo essencial deste pressuposto é o de que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, significando isto que apenas se consideram partes legitimas os titulares directos e imediatos da relação jurídica controvertida, ou seja, os sujeitos activos ou passivos dessa relação.
  3.  Em tutela dos utentes de serviços púbicos essenciais, incluindo o da energia eléctrica, a Lei nº 23/96, de 26/07, regulou imperativamente certos aspectos da relação contratual estabelecida entre aqueles e os respectivos fornecedores. 
  4. Tendo em conta a natureza dos serviços, a sua essencialidade e o modo como são prestados, esse diploma proíbe certas práticas, consagra especiais direitos do utente e impõe particulares deveres ao fornecedor dos serviços.
  5. Entre os pontos contemplados, figuram os prazos de exercício de direitos de crédito da empresa fornecedora: quer para o crédito do preço do serviço prestado (nº 1 do art. 10º), quer para o crédito da diferença entre o preço facturado e o preço correspondente ao consumo efectuado, por erro do prestador do serviço (nº 2 do mesmo artigo), é estabelecido o prazo curto de seis meses de prescrição, quanto à primeira situação, e de caducidade, quanto à segunda.
  6. Todavia, quando o serviço prestado é o fornecimento de energia eléctrica, este regime não tem aplicação universal, pois o nº 3 daquela disposição exclui do seu âmbito “o fornecimento de energia eléctrica de alta tensão”.
  7. Em diversos diplomas regulamentadores da actividade em causa, o conceito de alta tensão é definido por oposição a baixa tensão e tomado em sentido mais ou menos amplo, como resulta, nomeadamente, do artº 4º do Decreto Regulamentar nº 90/84, de 26 de Dezembro; do artº 4º, nºs 51 e 52, do Decreto Regulamentar nº 1/92, de 18 de Fevereiro – alta tensão é a que excede 1.000 volts em corrente alternada e 1.500 volts em corrente contínua; do artº 7º do Dec. Lei nº 740/74, de 26 de Dezembro – 650 volts em corrente contínua e 250 volts em corrente alternada; e do Dec. Lei nº 43.335, de 19 de Novembro de 1960 (artº 116º) – que prevê como limite inferior da alta tensão o de 6 volts.
  8.  O artigo 1º, § 2º, das Condições Gerais de Venda de Energia Eléctrica em Alta Tensão (anexas ao Dec. Lei nº 43.335), dispõe que “sempre que um consumidor receba directamente energia de um concessionário da grande distribuição, ao abrigo da respectiva concessão, o fornecimento considera-se, para todos os efeitos, incluindo as tarifas, como um fornecimento em alta tensão, mesmo que a contagem se faça em baixa tensão”.
  9.  Mas nem sempre a noção de alta tensão é definida por oposição à de baixa tensão. Por vezes, é reconhecida como uma de quatro variantes: baixa tensão, média tensão, alta tensão, e muito alta tensão.
  10.  Estas diferentes opções legislativas permitem, embora de forma não consensual, que se diga que o conceito de alta tensão é tido por vezes em sentido mais ou menos amplo, correspondente a toda a tensão superior a 1 KV.
  11.  Em 27/07/95 foram promulgados vários diplomas que integram aquilo que é conhecido como o “ pacote legislativo do sector eléctrico “: O Dec. Lei nº. 182/95, que fixou as Bases da Organização do Sistema Eléctrico Nacional; o Dec. Lei nº. 184/95, que estabeleceu o Regime Jurídico do Exercício da Actividade de Distribuição de Energia Eléctrica no Âmbito do Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP) e do Sistema Eléctrico não Vinculado (SENV); o Dec. Lei nº. 185/95, que estabeleceu o Regime Jurídico do Exercício da Actividade de Transporte de Energia Eléctrica no Sistema Eléctrico Nacional (SEN) e aprovou as Bases da Concessão de Exploração da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT).
  12.  Como se vê, neste quadro de diplomas, da mesma data e ulteriores, a “alta tensão” é uma de quatro espécies de energia eléctrica, cabendo-lhe um campo restrito de aplicação definido por limites mínimos e máximos que lhe estabelecem fronteiras com os tipos de energia que estão imediatamente abaixo ou acima dela.
  13. A “alta tensão” passou a ser definida, qualquer que seja o seu âmbito, como a tensão superior a 45KV e igual ou inferior a 110KV, a “média tensão” sempre superior a 1KV e igual ou inferior a 45KV, e a” baixa tensão” como a tensão igual ou inferior a 1KV.
  14. Tudo indica que o legislador pretendeu, com o “pacote” em causa, organizar o Sistema Eléctrico Nacional (SEN), estabelecer os diferentes regimes jurídicos para o sector, definir com rigor as classificações e conceitos das diversas tensões da energia eléctrica, arrumando e pondo ordem num sector até aí muito fragmentado por uma multiplicidade de diplomas dispersos, desprovidos de unidade de corpo e falhos de rigor conceptual.
  15.  Em face da proximidade das datas de publicação dos citados diplomas de 27 de Julho de 1995 e da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, e face ao teor do nº 3 do artigo 10º citado, é lógica a suposição de que a tipologia tripartida acabada de definir não podia ser desconhecida pelo legislador da Lei de 1996, razão por que, ao falar em “alta tensão” no referido nº 3 do artigo 10º, a Lei nº 23/96 estaria, muito provavelmente, a dar ao conceito o sentido que lhe foi atribuído pelas normas dos diplomas de 27 de Julho de 1995.
  16.  Reafirma-se, pois, a exclusão do nº 3 do art. 10º da Dec. Lei nº 23/96 da “baixa” e “média” tensão por ser esse claramente o sentido retirado da sequência cronológica das significações legalmente consagradas que, a nosso ver, constituem um elo suficientemente forte.
  17. Pode concluir-se que os consumos em “média tensão” não se integram na excepção prevista no nº 3 do art.10º da Lei nº 23/96 pelo lhes é aplicável o regime de caducidade do direito ao recebimento da diferença de preço constante do nº 2 do mesmo artigo.

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