Venda de coisa defeituosa. Coisa imóvel. Responsabilidade

VENDA DE COISA DEFEITUOSA. COISA IMÓVEL. RESPONSABILIDADE  

APELAÇÃO Nº 2384/07.0TBCBR.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acordão: 20-06-2012
Tribunal: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DO TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA
Legislação: ARTºS 799º, 874º, 875º, 905º, 908º, 909º, 913º, 918º E 1225º DO C.CIVIL
Sumário:

  1.  No contexto da compra e venda, defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido do comprador, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência.
  2. O defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa. Por outras palavras: a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.
  3. Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto, à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artº 918 do Código Civil). Esta estatuição mostra que lei reporta a garantia edilícia apenas aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e tem directamente em vista a venda de coisa específica, certa e determinada.
  4. A lei assinala à prestação de coisa defeituosa várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do CC). Presume-se, porém, que o mau cumprimento ou cumprimento inexacto procede de culpa do vendedor (artº 799 nº 1 do Código Civil).
  5. Assim e em primeiro lugar, faculta-se ao comprador a supressão do contrato, fonte de qualquer daquelas obrigações (artº 905, ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil); em segundo lugar, reconhece-se ao comprador a possibilidade de exigir a reparação do defeito, caso esta seja possível, ou a substituição da coisa defeituosa, naturalmente se esta for fungível e se a entrega da coisa de coisa substitutiva não corresponder a uma prestação excessivamente onerosa para o vendedor, atento o proveito do comprador (artºs 914 e 921 do Código Civil); em terceiro lugar, atribui-se ao comprador o direito de reclamar a redução do preço convencionado (artº 911 ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil); por último, concede-se-lhe a faculdade de pedir uma indemnização (artº 911, ex-vi artº 913 do Código Civil).
  6. Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador, no caso de prestação de coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa, estando entre si numa ordem lógica: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminação do defeito da coisa; depois à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.
  7.  Tendo sido proposta a reparação, o comprador ou o dono da obra, conforme o caso, não se devem opor a essa oferta, se a recusa correspondente contrariar a boa fé (artº 762 nº 2 do Código Civil). Desde que a eliminação seja adequada e o credor não tenha perdido – objectivamente – o interesse na prestação, a proposta do devedor não deve ser recusada (artº 808 do Código Civil). Caso o seja, a responsabilidade do devedor deve ter-se por cessada.
  8. A violação dos deveres de prestação pelo vendedor envolve a sua responsabilidade delitual sempre que além do interesse contratual positivo são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais, por exemplo, do comprador; os terceiros apenas são titulares de uma pretensão indemnizatória contra o vendedor se a violação obrigacional representar simultaneamente uma ilicitude delitual. Deste modo, não é apenas a posição do terceiro perante a relação contratual que implica a qualificação delitual da responsabilidade do vendedor perante esse lesado – mas também a ilicitude delitual que se corporiza objectivamente – nos parâmetros gerais da responsabilidade aquiliana – na violação do dever de protecção.
  9. Perante uma prestação contratual defeituosa – ou, o que é sinónimo, face a uma violação positiva do contrato – que cause danos há, portanto, que distinguir, os danos específicos, ligados à violação positiva do contrato, a que são aplicáveis, tratando-se de contrato de compra e venda, as regras particulares da garantia edilícia – artºs 908, 909 e 915 do Código Civil – e outros danos a que é aplicável a clausula geral de responsabilidade civil (artº 483 nº 1 do Código Civil). Nesta lógica, nada impede, em princípio, que por danos indirectos se possa fazer apelo à responsabilidade delitual ou aquiliana: se com o mau cumprimento se causa ao comprador danos que transcendem o âmbito do contrato, há, naquilo que ultrapasse o cumprimento defeituoso, responsabilidade ex delicto.
  10. Nos casos de imóveis destinados a longa duração construídos pelo vendedor, a responsabilidade deste pelo mau cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso há que ponderar as regras relativas à responsabilidade do empreiteiro pela prestação de obra defeituosa. Sempre que o vendedor seja simultaneamente o construtor do imóvel de longa duração, àquela responsabilidade aplicam-se as regras do contrato de empreitada que regem a responsabilidade – ex contractu – do empreiteiro pelos defeitos da obra (artº 1225 nº 4 do Código Civil).

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