Estabelecimento comercial. Transmissão de estabelecimento. Comunicação. Senhorio. Resolução do contrato
ESTABELECIMENTO COMERCIAL. TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO. COMUNICAÇÃO. SENHORIO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO
APELAÇÃO Nº 221/09.0TBCDN.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acordão: 17-04-2012
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DE CONDEIXA-A-NOVA
Legislação: ARTºS 443º, 1109º, Nº 2, 1ª PARTE, DO CÓDIGO CIVIL (NA REDACÇÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELO ARTº 3 DA LEI Nº 6/2006, DE 27 DE FEVEREIRO); 1112º, Nº 1, AL. A) DO C. CIV..
Sumário:
- O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio. O estabelecimento comercial compreende, portanto, elementos da mais variada natureza que, em comum, têm apenas o facto se encontrarem interligados para a prática do comércio.
- No tocante ao activo o estabelecimento compreende coisas corpóreas e incorpóreas: No que toca a coisas corpóreas ficam abarcados os direitos relativos, por exemplo, a móveis – mercadorias, matéria primas, maquinaria, mobília, instrumentos de trabalho – portanto, todas as coisas que, estando no comércio, sejam pelo comerciante afectas a esse exercício. No tocante a coisas incorpóreas pode-se distinguir, por exemplo, o direito ao uso exclusivo da insígnia, do nome do estabelecimento, das marcas, patentes de invenção e os direitos a prestações provenientes de posições contratuais – contratos de trabalho, contratos com fornecedores, contratos de distribuição, de publicidade, de concessão comercial, de agência, de franquia e mesmo contratos relativos a bens vitais (v.g. água, electricidade, gás, telefone) e, bem assim, os direitos provenientes de licenças concedidas pela administração.
- Como critério puramente orientador, pode dizer-se que para que haja estabelecimento comercial ele deve ter um conteúdo mínimo necessário para que, em face do ramo de actividade a que se destine, possa prosseguir esse escopo. Deverá, por isso, ter, necessariamente, alguns elementos – bens materiais ou imateriais ou certas posições jurídicas – uma designação e um objectivo, que dêem corpo ao escopo fundamental de qualquer estabelecimento: a realização de uma função produtiva, a que se pode chamar de aviamento, o qual englobará, pela ordem natural das coisas, a clientela.
- O estabelecimento pode ser objecto de transmissão definitiva ou temporária. Trata-se, de resto, do ponto mais significativo do seu regime: a possibilidade da sua negociação unitária, através de trespasse – se essa transmissão for definitiva – ou cessão de exploração – se a cedência do estabelecimento for meramente temporária (artºs 1109º e 1112º, nº 1, a) do CC).
- O trespasse é apenas uma transmissão definitiva do estabelecimento. Só por si, não nos diz a que título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O regime do trespasse dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base.
- A locação de estabelecimento comercial é um negócio de transmissão a título temporário e oneroso de um estabelecimento – ao contrário do trespasse, é um negócio de transmissão do gozo, e não da propriedade do estabelecimento.
- Ao passo que o trespasse implica uma transmissão do domínio do estabelecimento, a locação envolve apenas a transmissão da fruição da sua exploração, ou seja, diferentemente do trespassário, que é investido num direito real de propriedade sobre o estabelecimento, o locatário é titular de um mero direito obrigacional de gozo, que lhe permite explorar em seu nome e por sua conta o estabelecimento, permanecendo o locador como proprietário – caso o seja – desse mesmo estabelecimento.
- Do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento emerge para o locatário este fundamental direito: o de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração. Mas dele emerge também, para essa mesma parte, este fundamental dever: o de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.
- Um problema para o qual o legislador não disponibilizava uma solução expressa era a de saber se a cessão de exploração de estabelecimento podia ser livremente ajustada pelo arrendatário sem o consentimento do locador. A questão não recebia da doutrina e da jurisprudência uma resposta acorde, dividindo-se, ambas, em duas orientações: uma que sustentava a necessidade dessa autorização do senhorio; outra – maioritária – que defendia a solução oposta. A razão estava com este último modo de ver. Por um argumento de maioria de razão: se na negociação definitiva do estabelecimento se dispensa o consentimento do senhorio, deve admitir-se a mesma solução quando não está sequer em causa a transmissão da posição do arrendatário, mas simplesmente o gozo do prédio onde está instalado o estabelecimento.
- O problema está ultrapassado: a lei nova é terminante na declaração de que a cessão de exploração de estabelecimento não carece de autorização do senhorio (artº 1109º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo artº 3 da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro).
- Desde logo, porque a enumeração das obrigações de comunicação a que o arrendatário está adstrito é meramente exemplificativa (artº 1038º, f) do Código Civil). O facto de na cessão de exploração se manter a titularidade do arrendamento não é decisivo dado também no caso de comodato se mantém essa titularidade e, no entanto, a lei vincula o arrendatário à realização da comunicação.
- A comunicação é imposta pelo programa da prestação do senhorio – que se reconduz a este núcleo fundamental: proporcionar ao inquilino o gozo do prédio no âmbito e para os fins do contrato – e aquele só poderá cumpri-lo se souber, em cada momento, quem, na realidade, detém o gozo do prédio, a que se soma o interesse em conhecer o motivo pelo qual outrem, que não o arrendatário, está no gozo efectivo da coisa, qual a espécie contratual subjacente de modo a que, se for caso disso, no caso de o contrato de cessão sofrer de vícios ou ocultar um outro, fazer valer os seus direitos.
- A lei nova colocou um ponto final na controvérsia ao vincular expressamente o arrendatário àquela obrigação de comunicação (artº 1109º, nº 2 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo artº 3 Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro). A esta norma deve ser atribuída uma natureza interpretativa – dado que interveio para decidir uma questão que direito cuja solução é controvertida, consagrando um entendimento que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, podia ter chegado – e, por isso, mesmo à luz do RAU deveria entender-se que o facto da cessação da exploração deveria ser comunicado ao senhorio (artº 13º, nº 1 do Código Civil).
- Se no momento da cessão o estabelecimento não existir, pura e simplesmente, ou lhe faltar um qualquer elemento estruturante, ocorre decerto um negócio transmissivo, mas esse negócio não pode qualificar-se de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento (artº 1112º, nº 2, a) ex-vi artº 1109º, nº 1, in fine, do Código Civil).
- A resolução é uma forma condicionada, vinculada e retroactiva de extinção dos contratos: condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se alegue e demonstre determinado fundamento e retroactiva por operar desde o início do contrato (artº 433º do Código Civil). Fala-se também por vezes em rescisão: esta equivale à resolução, sendo utilizada, preferencialmente, para designar a resolução fundada na lei.
- A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (artº 432º, nº 1 do Código Civil).
- Há, portanto, duas modalidades de resolução: a legal e convencional. Na resolução legal, deve, por sua vez, fazer-se um distinguo entre a resolução fundamentada – que corresponde à regra geral – e a resolução imotivada – só excepcionalmente admitida – em que a uma das partes é reconhecida a faculdade de, sem fundamento, se desvincular.
- O direito de uma das partes de se desvincular sem necessidade de alegar um motivo é excepcional e justifica-se pela necessidade de tutela de um das partes do contrato – a parte mais fraca: é o que sucede, por exemplo, no Direito do Consumo, em que se permite ao consumidor a desvinculação, em certo prazo, do contrato (artº 8º, nº 4 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho).
- Se a desvinculação ad nutum resultar de convenção das partes, então o caso já não é, verdadeiramente de resolução, nem mesmo de revogação unilateral – mas de denúncia.
- A lei civil substantiva fundamental portuguesa adopta no tocante à resolução do contrato um sistema declarativo: a resolução opera por simples declaração à outra parte, portanto, sem necessidade de intervenção constitutivo-condenatória do tribunal. Por outras palavras, a resolução opera ope voluntatis e não ope judicis (artº 436º, nº 1 do Código Civil).
- A natureza potestativa da declaração de resolução imprime-lhe as características da unilateralidade recipienda, da irrevogabilidade, da incondicionalidade e da concretização dos respectivos fundamentos (artºs 224º, nº 1, 1ª parte, e 230º, nº 1 do Código Civil).
- Essa declaração não está sujeita a forma especial, ainda que o contrato a cuja resolução se dirige o esteja e, por isso, pode ser mesmo meramente tácita (artº 217º, nºs 1 e 2 do Código Civil).
- A declaração negocial da qual resulta a resolução do contrato pode ser expressa, afirmando a parte peremptoriamente que pretende a resolução; mas pode também ser meramente tácita, o que ocorrerá com a declaração na qual a parte que a emite não afirma claramente que tem a intenção de extinguir o contrato, mas de que se deduza que é esse o seu propósito. Assim, por exemplo, a reclamação da entrega da coisa vendida a prestações por parte do vendedor consubstancia, tacitamente, numa declaração de resolução do contrato.