Inventário. Licitação. Relação de bens
INVENTÁRIO. LICITAÇÃO. RELAÇÃO DE BENS
APELAÇÃO Nº 188/2001.C1
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acordão: 17-04-2012
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE OURÉM – 1º JUÍZO
Legislação: ARTºS 909º, 1371º E 1340º DO CPC; 9º, Nº 1 DO C. EXPROPRIAÇÕES; 2091º E 2123º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário:
- De forma deliberadamente descomprometida, a lei limita-se a declarar que a licitação em processo de inventário tem a estrutura de uma arrematação (artº 1371º, nº 1, 1ª parte, do CPC).
- Dada a feição de arrematação de que se reveste a licitação, segue-se lhe são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as causas de invalidade da venda executiva. Mas nem todas.
- É claro, por exemplo, que à licitação em processo de inventário, não são aplicáveis, por serem específicas do processo de execução, as causas de invalidade – formal – da venda executiva resultantes da anulação ou da revogação da sentença que serviu de título executivo ou da procedência da oposição à execução ou da anulação de toda a execução por falta ou nulidade da citação do executado (artº 909º, nº 1, a) e b) do CPC).
- Também não é aplicável à licitação a causa de invalidade da venda executiva resultante do facto de a coisa alienada não pertencer ao executado e ter sido reivindicada pelo dono, uma vez que para a partilha de bens não pertencentes ao património objecto dessa mesma partilha é disponibilizado, pela lei substantiva, um regime específico (artºs 909º, nº 1, d) e 2123º, nºs 1 e 2 do Código Civil).
- Em contrapartida, são-lhe inteiramente aplicáveis a invalidade – formal – resultante da anulação do acto da venda, seja pela prática de uma acto que a lei não admita, seja pela omissão de um acto ou de uma formalidade imposta pela lei (artº 909º, nº 1, c) do CPC) e – caso que releva para a economia do recurso – todas as causas de invalidade substancial da venda executiva, respeitantes a aspectos relacionados com a vontade de adquirir o bem.
- Assim, tal como sucede com a venda executiva, a formação da vontade do licitante em processo de inventário pode ser afectada por coacção moral, ou por erro sobre os motivos ou sobre o objecto (artºs 255º, 252º e 251º do Código Civil).
- Quanto ao erro sobre o objecto, encontra-se no âmbito da venda executiva – e, portanto, também no âmbito do acto de licitação em processo de inventário – um regime especial (artº 908º do CPC).
- E este regime é especial não só perante o regime geral do erro sobre o objecto – mas também perante a regulamentação, já em si especial, do erro na venda de coisas oneradas (artºs 247º, 251º, 905º a 912º do Código Civil).
- Portando, ao erro sobre o objecto da licitação, aplicam-se, em primeiro lugar, as regras específicas da venda executiva, depois as regras relativas à venda de coisas oneradas e, finalmente, o regime geral sobre esse erro (artºs 908º do CPC, 905º a 912º, 251º e 247º do Código Civil).
- O erro sobre o objecto da licitação verifica-se, por isso, nos casos seguintes: a) Quando, depois da licitação, se reconhece a existência de um ónus ou limitação que não foi tomada em consideração e que excede os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, i.e., quando sobre o bem recai, por exemplo, um direito real ou pessoal de gozo ou um ónus de que não foi dado conhecimento ao licitante, e que deva subsistir depois da licitação (artº 908º, nº 1, 1ª parte, do CPC); b) Quando se comprova a falta de conformidade da coisa licitada como o que foi relacionado (artº 908, nº 1, 2ª parte, do CPC).
- Ao contrário do que sucede no erro sobre o objecto em geral e mesmo na venda de coisas oneradas, o erro sobre o objecto da venda executiva – e por extensão de regime, o erro sobre o objecto da licitação – não requer que o declaratário – o tribunal – conhecesse ou devesse conhecer a essencialidade para o comprador – ou para o licitante – do elemento sobre que incidiu o erro: a venda – o acto de licitação – é anulável, mesmo que o destinatário da declaração desconhecesse que as características do bem constituíram um elemento essencial na formação da vontade do comprador ou do licitante: a especialidade do regime previsto para a venda executiva perante os vários regimes substantivos e a necessidade de proteger o adquirente – o licitante, no caso de licitação – justificam esta solução.
- Maneira que, se o acto de declaração de utilidade da expropriação onera os bens imóveis a ela sujeitos, não tem, decerto, por si só, a virtualidade de converter o direito real de propriedade do particular num mero direito de indemnização.
- Por força do acto de declaração de utilidade pública, resulta que os bens do particular ficam imediatamente adstritos ao fim específico visado pela expropriação, mas não pode dizer-se, sem erro, que se verifica uma conversão imediata do direito de propriedade do particular num direito de indemnização.
- Nestas condições, todos os interessados no inventário, e não apenas o licitante, o são também para os efeitos do processo de expropriação, aliás, em inteira harmonia com o princípio de que os direitos à herança devem ser exercidos por todos e contra todos os herdeiros (artº 9º, nº 1 do CE e 2091º do Código Civil).
- As operações da partilha não podem, por essa razão, permanecer insensíveis à declaração da utilidade pública da expropriação daquele bem que deve ser partilhado tendo em conta a oneração representada pelo exercício actual, relativamente a ele, do direito potestativo de expropriação.
- Todavia, por força do princípio da igualdade e da equidade da partilha, tanto um eventual prejuízo como um eventual lucro dos licitantes, por força da expropriação e da mais que provável conversão do direito real sobre o bem num direito de crédito, não deve ser suportado ou atribuído, respectivamente, apenas a um interessado – mas arcado por todos ou adjudicado a todos.
- O facto da expropriação atingir um bem integrante da herança e, portanto, as vicissitudes decorrentes desse facto – maxime a extinção, ainda que parcial, do direito real sobre o bem, sobretudo se essa extinção ocorrer ainda num contexto de indivisão do património hereditário – devem repercutir-se na posição jurídica de todos os interessados e não apenas na de alguns deles.
- Mas para que isso suceda, é indispensável que o prédio seja relacionado com a expressa menção do ónus da declaração da utilidade pública da expropriação para que a vontade de todos os interessados, nos vários momentos processuais relevantes para a partilha, tenha em consideração a sua existência.
- A lei disponibiliza um mecanismo apto a tornar patente aquele ónus e a ajustar a descrição da verba indicada à sua verdadeira situação jurídica.
- A lei autoriza qualquer interessado, até ao trânsito em julgado da sentença que julgar a partilha, a arguir qualquer inexactidão na descrição dos bens que figuram no inventário e que releve para a partilha, embora sob a cominação de pena processual de multa, caso o arguente não demonstre que a não pode produzir no momento próprio por facto que não lhe imputável (artº 1340º, nºs 1 e 6 do CPC).
- Uma inexactidão que releva para a partilha é decerto o facto de um bem imóvel, integrante da comunhão hereditária, relacionado sem qualquer restrição, ter sido atingido, na pendência dessa comunhão, pela declaração de utilidade pública da sua expropriação.