Matéria de facto. Matéria de direito. Impugnação pauliana

MATÉRIA DE FACTO. ALTERAÇÃO. MATÉRIA DE DIREITO. MÁ FÉ. IMPUGNAÇÃO PAULIANA
APELAÇÃO Nº
1861/04
Relator: HELDER ALMEIDA 
Data do Acordão: 22-06-2004
Tribunal: ÁGUEDA
Legislação: ARTS. ART.º 612º DO CC, 646º, Nº 4 DO CPC, 261º, Nº 3 DO CÓD. DAS SOC. COMERCIAIS
Sumário:

  1. Por isso que todas as reacções e manifestações comportamentais -decisivas para a emissão de um seguro e fiável juízo de valor àcerca das declarações produzidas em audiência -, não resultam acessíveis à frieza de meios mecânicos, como sejam os registos escritos ou magnetofónicos, ao Tribunal da Relação apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa decisão.
  2. Tal será o caso, notadamente, de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas -v.g. por distracção-, determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
  3. Os juízos de facto podem nuns casos ser matéria de facto e noutros matéria de direito.
  4. Com efeito, há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do “homo prudens”, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador.
  5. Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto; os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei…”
  6. Daí que se algum dos juízos de valor sobre factos (ou seja, sobre matéria de facto) for indevidamente incluído no questionário, a resposta do Colectivo a esses quesitos não deve ser tida por não escrita, visto não se tratar de verdadeiras questões de direito.
  7. Em sede de impugnação pauliana, para se afirmar da consciência do prejuízo por parte dos outorgantes não é necessário formular qualquer raciocínio de ordem jurídica ou apelar essencialmente para a formação especializada do julgador, razão por que esse juízo conclusivo, assentando em critério de carácter prático do homem comum, situa-se no domínio da matéria de facto.
  8. O requisito da má fé (consilium fraudis), para efeitos de impugnação pauliana, não exige uma actuação dolosa, com intenção ou desígnio de prejudicar o credor –concertação do devedor e do adquirente para atentar contra o direito daquele-, se bem que se não baste também com o simples conhecimento da precária situação patrimonial do devedor.
  9. Necessário –mas também suficiente-, é que o devedor e o adquirente tenham a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, estado psicológico esse que se basta com a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso em consequência da conduta, que o mesmo é dizer, negligência consciente.
  10. O momento em que se deve aferir da má-fé dos intervenientes é o da celebração do acto impugnado, ou seja, aquele mediante o qual se efectivou a alienação do bem ou a transmissão do direito determinantes da impossibilidade de o credor obter a execução judicial do crédito.
  11. Sendo um desses intervenientes uma sociedade, basta a consciência ou noção do prejuízo que o acto causa ao credor por parte de um qualquer dos seus gerentes –“conhecimento por um dos gerentes reputa-se conhecimento pela sociedade”-, e isso independentemente da previsão do pacto social, ainda que no sentido da intervenção de dois (ou mais) gerentes em ordem à válida vinculação da sociedade.

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