Confissão de dívida; título exequível

Confissão de dívida; título exequível; mútuo; nulidade; depoimento de parte; julgamento de facto
Recurso n.º 1700/03
Acórdão de 08/06/2004
Relator: Hélder Almeida.
Legislação arts. 458º, 1142º, 352º e 356º, nº 2, do Cód. Civ., 46º, als. b) e c), 553º, nº 3, e 712º, do Cód. Proc. Civil. Sumário

  1. Uma declaração recognitiva ou confessória de dívida não é apenas aquela que se analisa ou conforma aos termos do nº 1 do art. 458º do CC, ou seja, “uma declaração unilateral nua”, sem invocação da respectiva causa.
  2. Na verdade, o que justifica essa específica consagração e regulamentação de tal figura é o facto de ela constituir, não um negócio sem causa –como aquela falta de indicação a tal respeito poderia fazer inculcar‑, mas um negócio de causa presumida, ou seja, um negócio causal em que apenas se verifica a inversão do ónus da prova, cabendo por isso ao devedor onerado com o encargo demonstrar o contrário, vale dizer, que a causa não existe ou é inválida.
  3. Mas assim sendo, nada obsta à vinculativa emissão de uma declaração confessória ou recognitiva de dívida no âmbito de um contrato ‑com intervenção, portanto, de várias vontades‑, com indicação da respectiva causa ou motivo determinante, e tendo designadamente em vista o estabelecimento de um esquema faseado ou complexo de pagamento– e daí essa intervenção múltipla de vontades.
  4. Sem dúvida que a um documento com esse teor assiste força executiva, nos termos do art. 46º, als. b) ou c) do CPC.
  5. Em sede de acção executiva e suas condições, importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, ou –o que vale o mesmo‑, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).
  6. A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.
  7. Em caso de contrato de mútuo nulo por irregularidade de forma, a invalidade formal do negócio afecta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respectivo documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, como também a exequibilidade do próprio título.
  8. Alegados “adiantamentos” (de importâncias monetárias) não se podem reconduzir a contrato(s) de mútuo por falta do elemento “restituição”.
  9. O despacho que admitiu o rol de testemunhas e o depoimento de parte, sem se pronunciar sobre qualquer ponto concreto ou aduzir qualquer fundamentação relativa a essa admissão, não constitui caso julgado impeditivo de, posteriormente, julgar inadmissível a produção dessas provas.
  10. É incontroverso que, consoante o disposto nos arts. 352º e 356º, nº 2, ambos do CC, o depoimento de parte visa, entre nós, obter a confissão, que o mesmo é dizer, o reconhecimento pelo depoente da realidade de factos desfavoráveis para si (“contra se pronuntiatio”) e favoráveis para a contraparte.
  11. Mercê de tal, o depoimento de parte sobre factos que não são desfavoráveis a quem o presta nem favorecem a parte contrária não tem valor probatório.
  12. O mero executado que não deduziu eficazmente embargos de executado ‑estranho, pois, a este processo‑ não pode no mesmo ser reputado como Embargante e, portanto, como comparte de quem efectivamente deduziu essa oposição.
  13. Embora o art. 553º, nº 3, do CPC, outorgue efectivamente legitimidade para requerer o depoimento de parte ao comparte do depoente, mister se torna que esse requerente tenha um interesse próprio, por definição antagónico ao do depoente, na prova dos factos sobre os quais pretende obter a confissão.
  14. Sendo um problema de aferição da razoabilidade ‑à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência ‑, da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que na reapreciação da matéria de facto à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou.   

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