União de facto. Direito a alimentos. Direito real de habitação. Má fé. Indemnização. Acto ilícito

UNIÃO DE FACTO. DIREITO A ALIMENTOS. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. MÁ FÉ. INDEMNIZAÇÃO. ACTO ILÍCITO  

APELAÇÃO Nº 1267/10.1TBCBR.C1
Relator: SÍLVIA PIRES
Data do Acordão: 19-02-2013
Tribunal: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA 
Legislação: ARTº 2020º DO C. CIVIL; DEC. LEI Nº 496/77, DE 25/11; LEI Nº 135/99, DE 28/08; LEI Nº 7/2001, DE 11/05; LEI N.º 23/10, DE 30 DE AGOSTO.
Sumário:

  1. O Decreto-lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, iniciou um movimento legislativo de atribuição de efeitos jurídicos às relações de união de facto, com a consa­gração no artigo 2020º do C.C. de um direito a alimentos por morte de um dos seus membros ao companheiro sobrevivo, a satisfazer pela herança daquele.
  2. Seguiu-se a atribuição esparsa de outros direitos aos membros das uniões de facto, sobretudo quando se verificava a morte de um deles, em matérias como o arrendamento, as relações laborais e a segurança social, até que a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, veio a enunciar num só diploma os diversos direitos atribuídos por lei às pessoas que vivam em união de facto.
  3. Nesses direitos logo se incluiu a atribuição de um direito real de habitação ao membro da união de facto sobrevivo, no caso de morte do outro membro proprietário da casa de mora de família – art.º 4º, n.º 1 –, não se constituindo esse direito quando sobrevivessem ao falecido descendentes ou ascendentes que com ele vivessem há pelo menos 1 ano e pretendessem continuar a habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário – art.º 4º, n.º 2.
  4. A Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, foi revogada e substituída pela Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, a qual manteve a atribuição daquele direito nos mesmos termos – n.ºs 1 e 2 do art.º 4º.
  5. O legislador, em protecção da relação familiar assente numa união de facto, entendeu consagrar uma solução semelhante à atribuição ao cônjuge sobrevivo do direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada de família que havia sido introduzido pela Reforma de 1977 no C. Civil (art.º 2103º-A).
  6. Assim, para além de se ter estendido o direito de uso ao recheio da casa de morada de família, por se ter entendido que a posição preferencial dos descendentes e ascendentes do membro da união de facto proprietário da casa de morada de família que com ele convivessem e a possibilidade do falecido poder, por testamento, dispor dessa casa de modo diverso, enfraqueciam consideravelmente a protecção conferida ao membro da união de facto sobrevivo, foi eliminada a previsão destas causas impediti­vas da atribuição do direito de habitação, passando assim o membro sucessivo da união de facto a ser um “legatário legitimário” do companheiro falecido – artº 5º da Lei nº 7/2001, na redacção da Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto.
  7. Daí que, sem uma intervenção expressa do legislador nesse sentido, o simples facto do membro sobrevivo duma relação de união de facto ser proprietário duma outra casa no concelho onde se situa a casa de morada de família quando esta era propriedade do membro falecido, não é impeditivo ou extintivo do direito real de habitação atribuído por lei àquele.
  8. Por estas razões, no domínio das Leis n.º 135/99, de 28 de Agosto, e n.º 7/2001, de 11 de Maio (redacção original), essa situação não impedia, nem era motivo de extinção do direito real de habitação atribuído no art.º 4º, n.º 1, de ambos os diplomas.
  9. O mesmo já não sucede após as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, actualmente em vigor, que no seu art.º 5º, n.º 6, impede que o direito real de habitação previsto no n.º 1 seja conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se, no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes.
  10. O legislador de 2010, tendo em atenção que a atribuição deste direito real onera o direito de propriedade dos sucessores do membro da união de facto falecido, numa composição de interesses contrapostos, entendeu excluir aquele direito nas situações em que o membro sobrevivo dispunha de uma casa própria, com uma localiza­ção próxima, onde podia estabelecer a sua habitação.
  11. Se o direito real de habitação já se achava constituído quando entraram em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/10, de 30 de Agosto, a regra nele contida – art.º 5º, n.º 6 – que impede a atribuição de tal direito ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família, incluindo-se, no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes, já não é aplicável ao caso.

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