Depósito irregular. Consulado português. Estrangeiro. Forma. Usura. Anulabilidade. Obrigação pecuniária. Actualização
DEPÓSITO IRREGULAR. CONSULADO PORTUGUÊS. ESTRANGEIRO. FORMA. USURA. ANULABILIDADE. OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA. ACTUALIZAÇÃO
APELAÇÃO Nº 115/2000.C2
Relator: ARTUR DIAS
Data do Acordão: 29-03-2011
Tribunal: TOMAR – 2º JUÍZO
Legislação: ARTºS 281º, 550º, 1142º, 1185º, 1205º, 1206º E 207º DO CÓD. CIVIL
Sumário:
- Apesar de se regerem pelo disposto no Regulamento Consular Português aprovado pelo Decreto nº 6.462, de 21/03/1920 (Diário do Governo nº 57, de 21/03/1920), os contratos integrados pelas entregas por parte dos AA. nos Consulados de Portugal nas cidades da Beira e de Maputo, em Moçambique, devem ser qualificados como depósitos irregulares, qualificação esta que vem sendo assumida maioritariamente pela jurisprudência (artºs 1185º, 1205º e 207º do Cód. Civil).
- O artº 1206º do CC não equipara, pura e simplesmente, o contrato de depósito irregular ao contrato de mútuo, antes manda aplicar àquele as normas relativas a este, «na medida do possível». O que inculca que, apesar de se tratar de uma razoável extensão do regime do mútuo ao depósito irregular, existem normas relativas ao primeiro que não se aplicam ao segundo.
- No caso de depósitos efectuados em 1976, de quantias monetárias de escudos moçambicanos nos Consulados de Portugal nas cidades da Beira e de Maputo, em Moçambique, tendo estas entidades recebido aqueles depósitos no cumprimento do seu dever de ajuda consular, deve entender-se que as entregas das ditas quantias, bem como o seu recebimento por parte dos Consulados, foram feitas ao abrigo do artº 2º, nº 13 do Regulamento Consular Português, aplicando-se-lhes, pois, essa lei especial, que não exigia que os respectivos contratos fossem celebrados por escritura pública.
- Sendo destes concretos contratos que se cuida, submetidos ao indicado regime, quanto a eles não poderá deixar de ser conferida especial força à expressão «na medida do possível» usada no artº 1206º do CC, de modo a concluir que não lhes era aplicável a exigência de forma imposta pelo artº 1143º do CC para os contratos de mútuo nele previstos.
- Tendo esses contratos por objecto coisas fungíveis, ao R. competia guardá-las e restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artºs 207º e 1142º).
- Preceitua o artº 282º, nº 1 do CC que é anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, aproveitando conscientemente a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
- Para que haja negócio usurário, no amplo sentido que a Lei deu a esta categoria, exige-se, como requisito da anulabilidade, a consciência da situação de necessidade, inexperiência, dependência, ou deficiência psíquica de alguém.
- A anulabilidade não resulta, portanto, apenas dum daqueles estados. É necessário que haja a consciência (conhecimento) de que se está a tirar proveito da inferioridade de outrem. Só assim o negócio pode ser havido como usurário.
- Em segundo lugar é necessário que a situação de inferioridade de uma das partes tenha sido aproveitada pela outra para alcançar a promessa ou a concessão de um benefício, em proveito desta ou de terceiro.
- E, por último, exige-se ainda que estes benefícios sejam manifestamente excessivos ou injustificados – determinação que fica entregue, caso por caso, ao prudente arbítrio do julgador.
- Em matéria de obrigações pecuniárias vigora entre nós o princípio nominalista (artº 550º CC), segundo o qual o cumprimento dessas obrigações faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário.
- Só excepcionalmente é admitida no nosso ordenamento jurídico a actualização, como resulta do artº 551º, norma onde se prevê que “quando a lei permitir a actualização das prestações pecuniárias, por virtude das flutuações do valor da moeda, atender-se-á, na falta de outro critério legal, aos índices dos preços, de modo a restabelecer, entre a prestação e a quantidade de mercadoria a que ela equivale, a relação existente na data em que a obrigação se constituiu”.
- O devedor desonera-se desde que entregue o número de moedas (com curso legal) necessárias para, atendo o seu valor facial ou nominal, perfazer o montante ou quantia em dívida.
- As desvalorizações ou valorizações da moeda, nomeadamente as alterações do seu valor de troca ou aquisitivo, não interessam. Só interessa o valor nominal da moeda e o seu curso legal no País.
- Se houver modificação do sistema monetário, o princípio nominalista significará que o devedor há-de pagar em espécies monetárias do novo sistema, calculadas segundo a norma de equivalência que se tiver estabelecido na lei entre a nova e a antiga moeda.
- Traduzindo-se a obrigação de restituição do R. numa dívida pecuniária e não numa dívida de valor, não há legalmente lugar à actualização ou correcção monetária.