Advogado. Segredo profissional. Meio proibido de prova. Prova proibida. Dever de reserva. Dispensa de segredo profissional

ADVOGADO. SEGREDO PROFISSIONAL. MEIO PROIBIDO DE PROVA. PROVA PROIBIDA. DEVER DE RESERVA. DISPENSA DE SEGREDO PROFISSIONAL

RECURSO CRIMINAL Nº 392/19.8T9ACB.C1
Relator: JORGE JACOB
Data do Acórdão: 08-03-2023
Tribunal: COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA
Legislação: ARTIGO 122.º, 126.º, N.º 3, 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 1, ALÍNEA A) E C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 97.º, N.º 1, DA LEI N.º 145/2015, DE 9 DE SETEMBRO – ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS; ARTIGO 32.º, N.º 8, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Sumário:

I – O Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece que a relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca, princípio este que exige e impõe um dever de sigilo que encontra expressão no EOA e também em diversas normas de direito codificado, nomeadamente no Código de Processo Penal, com vista a acautelar as condições necessárias ao regular exercício daquelas funções.
II – O artigo 92.º, n.º 1, do EOA densifica as vertentes do dever de sigilo, estipulando que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
III – A comunicação electrónica entre cliente e advogado, através da qual aquele exerce o direito de aconselhamento em privado com o seu advogado e em que lhe presta as informações que considere úteis para a defesa dos seus interesses, beneficia de uma dupla tutela, pois está abrangida pelo dever de sigilo que recai sobre o advogado e respectivos colaboradores, previsto no artigo 92.º referido, e, além disso, beneficia da tutela do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
IV – As provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular são nulas, como resulta, em primeira linha, do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.
V – A valoração, para efeitos de prova, de um email que traduz comunicação escrita entre arguida e o seu advogado, sem que a sua revelação a terceiros tenha sido autorizada pelos titulares do interesse juridicamente protegido, ou sem que tenha sido desenvolvido qualquer procedimento tendente ao levantamento do sigilo, é lesiva da privacidade da arguida enquanto autora daquela comunicação, respeita a questões com relevo jurídico, com implicações legais.
VI – A decisão que se funde, de modo essencial, na valoração de prova nula fica inquinada por nulidade que, nos termos do artigo 122.º do Código de Processo Penal, dá causa à invalidade do acto em que se verificar, bem como dos que dele dependerem e que a nulidade cometida possa afectar, salvando-se apenas os actos que possam ser aproveitados.
VII – A circunstância de aquela comunicação ter sido conhecida por inadvertido procedimento não tem a virtualidade de suprir as irregularidades resultantes da sua ilícita divulgação.
VIII – Compete ao tribunal conhecer oficiosamente as questões atinentes à prova proibida e obstar à sua produção.

Consultar texto integral