Acusação. Data da infracção. Falta. Factos concretos. Direito de defesa do arguido. Princípio do contraditório. Inconstitucionalidade. Tráfico de estupefacientes. Tráfico de menor gravidade. Reincidência homogénea ou específica
ACUSAÇÃO. DATA DA INFRACÇÃO. FALTA. FACTOS CONCRETOS. DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. INSCONSTITUCIONALIDADE. TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE. REINCIDÊNCIA HOMOGÉNEA OU ESPECÍFICA
RECURSO CRIMINAL Nº 369/13.7GAMGL.C1
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data do Acordão: 25-02-2015
Tribunal: VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL, SECÇÃO CRIMINAL – J3)
Legislação: ART. 75.º DO CP; ART. 283.º, N.º 2, AL. B), DO CPP; ARTS. 21.º E 25.º, N.º 1, AL. A), DO DL 15/93, DE 22-01; ART. 32.º, N.ºS 1 E 5, DA CRP
Sumário:
- Se é certo que a acusação deve ser, em princípio, precisa em relação à concretização temporal da prática do crime, tal não significa, porém, que essa indicação tenha necessariamente de se reportar a uma data específica.
- Isso mesmo decorre da alínea b) do n.º 2 do art. 283.º do CPP, quando a propósito da referida peça processual dispõe sobre a necessidade de fazer da mesma constar «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, (…) o tempo (…) da sua prática (…)».
- A interpretação normativa, no sentido descrito, daquele preceito legal não traduz uma compressão inadmissível do direito de defesa do arguido e, em consequência, não padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, desde que, os limites temporais da acção se mostrem suficientemente demarcados, adstritos a um concreto período de tempo.
- Decorrendo, fundamentalmente, da matéria de facto provada que:
– a actividade do arguido, traduzida na venda de estupefacientes (haxixe), constituiu, praticamente, o seu modo de vida durante um período que se arrastou desde o início do ano de 2010 até princípios de 2014;
– a mesma era exercida com carácter regular/diário;
– para concretização desse “negócio”, o arguido utilizava a sua própria residência, umas vezes, e deslocava-se aos locais de encontro, outras, sendo que, em todos os casos, os contactos pessoais eram previamente acordados, via contacto telefónico, com os clientes que, reiteradamente, procediam às encomendas;
– no período temporal referenciado, para se abastecer do produto, com a frequência de pelo menos uma vez por semana, o arguido fazia uma encomenda a terceiro de duas ou três placas de haxixe, com cerca de 100 gramas cada;
– no já aludido quadro temporal, o arguido forneceu várias dezenas de pessoas, em muitos casos de forma repetida, com curtos espaços de tempo de intervalo;
tais factos não espelham uma imagem global adequada à formulação de um juízo positivo sobre a diminuição da ilicitude, reclamada, pelo legislador, no art. 25.º do DL n.º 15/93, de 22-01, preenchendo antes o tipo matricial de tráfico do art. 21.º. - Tratando-se de crimes de igual natureza, a descrição dos factos respeitantes ao percurso criminoso do arguido são, inexoravelmente, reveladores de que a sucumbência revelada pela prática do novo ilícito penal é consequência de uma qualidade desvaliosa que entronca na personalidade do agente e não já fruto de causas fortuitas/acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade, o que conduz à afirmação de uma culpa agravada por a condenação anterior não ter servido de suficiente advertência contra o crime e, assim, à verificação da modificativa agravante geral prevista no art. 75.º do CP.