Acidente de viação e de trabalho. Cumulação de indemnização cível e laboral. Dano biológico. Danos não patrimoniais. Fixação da indemnização
ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO. CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL E LABORAL. DANO BIOLÓGICO. DANOS NÃO PATRIMONIAIS. FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
APELAÇÃO Nº 3166/19.2T8VIS.C1
Relator: VÍTOR AMARAL
Data do Acórdão: 14-03-2023
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Legislação: ARTIGOS 483.º; 562.º E 564.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 23.º; 47.º E 48.º, 3, C), DA LEI 98/2009, DE 4/9; ARTIGOS 3.º, A) E 9.º, 3, DA PORTARIA 377/2008, DE 26/5
Sumário:
1. – Em caso de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização, em tribunal do trabalho, do dano patrimonial laboral, com atribuição de pensão anual e vitalícia, não impede a indemnização, na instância cível, do dano biológico na sua autónoma dimensão extralaboral/cível.
2. – Em tal caso, não logrando a indemnização laboral ressarcir a totalidade do dano biológico – na dimensão extralaboral deste –, a reparação pela seguradora de acidentes de viação não se assume como cumulativa/sobreposta (perante a prestada no foro laboral), mas como complementar, de molde a cobrir as diversas dimensões do dano sofrido.
3. – O valor indemnizatório por dano patrimonial futuro, com referência ao denominado dano biológico, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv..
4. – Perante lesado, de 37 anos de idade à data do acidente, já indemnizado pelo dano de índole laboral (pensão anual e vitalícia), cujo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 53 pontos, sendo expectável agravamento futuro, suportando repercussão das lesões nas suas atividades desportivas e de lazer de “5/7”, quando antes era uma pessoa saudável, o dano biológico, como dano patrimonial futuro de feição extralaboral, traduz-se, para o resto da existência do lesado, na afetação do o seu viver quotidiano nas suas vertentes recreativa, sexual, social e sentimental, determinando perda de faculdades físicas/funcionais, diminuindo-lhe seriamente o uso do seu corpo e repercutindo-se na sua saúde, mas também, por outro lado, numa posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho – se e quando houver de o enfrentar –, é adequado, em equidade, fixar em € 100.000,00 o montante indemnizatório para ressarcir aquele dano.
5. – O quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser, não irrelevante ou simbólico, mas significativo, visando propiciar compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados, de molde a observar o princípio da igualdade.
6. – A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade, equilíbrio, normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas.
7. – Provando-se que o lesado padeceu de um quadro de múltiplas dores físicas, suportou múltiplas cirurgias e demorados tratamentos, padecendo de graves limitações no uso do corpo, afetando-lhe seriamente o seu viver quotidiano e determinando perda definitiva de faculdades físicas relevantes, deficiências que se agravarão com a idade, sendo o quantum doloris de grau “6/7” e ficando ainda com diversas cicatrizes, com correspondente dano estético no grau “5/7”, persistindo um quadro de dores frequentes, deixando-o na impossibilidade de praticar atividades desportivas e de laser a que antes se dedicava, com consequente abatimento, tristeza, pessimismo, diminuição de afirmação pessoal, ansiedade, irritabilidade, com difíceis contactos a nível social, revolta e receio quanto ao seu futuro, por efeito de todos os males que sofreu, é adequado, em equidade, fixar em € 90.000,00 o montante indemnizatório para ressarcir tais danos não patrimoniais.