Acidente de viação. Dano biológico. Dano patrimonial. Dano não patrimonial. Equidade

ACIDENTE DE VIAÇÃO. DANO BIOLÓGICO. DANO PATRIMONIAL. DANO NÃO PATRIMONIAL. EQUIDADE
APELAÇÃO Nº
3930/06.2TBLRA.C1
Relator: LUÍS CRAVO
Data do Acordão: 06-06-2017
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JC CÍVEL – JUIZ 2
Legislação: ARTS.496, 566 CC
Sumário:

  1. O chamado “dano biológico” tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte atual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
  2. A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.
  3. É hoje comummente aceite que este dano integra uma categoria autónoma, cujo ressarcimento deve ser encontrado segundo critérios de equidade.
  4. Muito embora para a quantificação do dano se apele ao tempo de provável vida activa e à representação de um capital de rendimento, deve, porém, rejeitar-se a aplicação automática das fórmulas matemáticas para o cálculo “a se”, de um “dano biológico” que só relevam como mero instrumento de trabalho, com função adjuvante da avaliação equitativa.
  5. O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil – a equidade – donde, no que respeita aos critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, deve-se entender que se destinam expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.
  6. Sem embargo, o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.
  7. Entre os chamados danos de natureza “não patrimonial” é possível distinguir como significativos e mais importantes o chamado “quantum doloris” (que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária), o “dano estético” (que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e de recuperação da vítima), o “prejuízo de afirmação pessoal” (dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes – familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (o dano da dor e o défice de bem estar, em que se valoriza os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e conta na expectativa da vida) e, finalmente, o “pretium juventutis” (que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida).
  8. Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de igualmente decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

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