Ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato. Articulados. Exceções. Resposta. Ónus de impugnação. Gestão processual. Contrato de prestação de serviço. Cumprimento defeituoso. Exceção do não cumprimento. Caso de força mai
ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTE DE CONTRATO. ARTICULADOS. EXCEPÇÕES. RESPOSTA. ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO. GESTÃO PROCESSUAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CUMPRIMENTO DEFEITUOSO. EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO. CASO DE FORÇA MAIOR. CASO FORTUITO
APELAÇÃO Nº 30628/18.6YIPRT.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 13-11-2019
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – M.GRANDE – JUÍZO C. GENÉRICA – JUIZ 1
Legislação: ARTS. 406, 428, 566, 763, 799, 802, 1154 CC, 3, 6, 547, 587 CPC
Sumário:
- Como a acção especial de cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato só consente 2 articulados – petição e contestação, mas não réplica -, e como tal tipo de acção não prevê a audiência prévia, a A. pode responder, querendo, às excepções invocadas pelos RR, na sua oposição, no início da audiência final (art. 3º, nº 4, do NCPC).
- Se na 1ª instância, no uso dos seus poderes de gestão processual (arts. 6º, nº 1, e 547º do NCPC), a Sra. Juíza adoptou mecanismo de adequação formal, ordenando que a A. respondesse desde logo às referidas excepções, a que a A. correspondeu pronunciando-se e exercendo o contraditório, a partir desse momento, dessa resposta, a mesma fica sujeita ao ónus de impugnação, previsto no art. 587º, nº 1, do NCPC, que dispõe que a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no art. 574º do mesmo código, designadamente a admissão dos mesmos (nº 1 e 2, inicio da 1ª parte do mesmo preceito);
- O cumprimento defeituoso dá-se quando há uma discrepância entre o “ser” e o “dever ser”; corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada, de acordo com o conteúdo do programa obrigacional, sendo, portanto sinónimo de cumprimento inexacto ou imperfeito;
- Uma das várias hipóteses desse cumprimento inexacto, verifica-se sempre que a prestação seja de qualidade diversa da que era devida; sendo que a qualidade defeituosa da prestação pode ter a haver com a conduta ou com o objecto, ocorrendo a primeira situação, em regra, nas prestações de facto;
- Se a organizadora de um banquete de casamento não cumpriu de acordo com o programa obrigacional, por no decurso do mesmo terem ocorrido diversas vicissitudes/percalços, que se afastaram qualitativamente do que era devido, estamos perante um cumprimento defeituoso;
- Em caso de cumprimento defeituoso, o credor goza, além do mais, de direitos advindos do regime jurídico geral do incumprimento perfeito, tal como o de reduzir a contraprestação, por incumprimento parcial, como é o caso de defeitos evidenciados nos serviços prestados no dia do evento singular do banquete de casamento, prestação única não susceptível de correcção noutra data, nos termos do disposto no art. 802º, nº 1, do CC;
- De harmonia com a orientação mais difundida o conceito de caso de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade: será todo o acontecimento que, embora previsível ou até prevenido, não se pôde evitar, nem em si, nem nas suas consequências ou efeitos;
- Não se pode esquecer, contudo, que existem vicissitudes mais próximas dos contraentes (por ex: falhas e anomalias do material utilizado) susceptíveis de integrar as chamadas “esferas de risco”, implicando, nalguns casos, soluções de imputação objectiva, e propiciando maior possibilidade de prevenção ou de minimização de efeitos, o que parece mais evidente para o devedor se pensarmos numa possível responsabilização por lacunas do seu poder de controlo;
- O caso fortuito ou de força maior não é, assim, algo de absoluto ou de abstracto, na medida em que o seu circunstancialismo só releva se não houver “interferências” por parte do devedor, havendo que confrontar o factualismo anómalo com o conjunto de medidas preventivas que o devedor possa ou não ter adoptado para evitar o evento ou minorar ou afastar as consequências verificadas;
- Para lá das hipóteses de concurso causal (caso de força maior conjugado com a culpa, o devedor deverá ser plenamente responsabilizado) quando não adequa a sua conduta à previsibilidade do facto/evitabilidade do efeito (por ex., destruição da mala valiosa deixada pelo depositário em local sujeito a humidade, frutos não colhidos apesar da ameaça/aviso de uma tempestade, raio que atinge um edifício com materiais inflamáveis por ausência de um pára-raios), pois nestes casos poderá dizer-se que o efeito da pretensa força maior podia e devia ter sido evitada caso tivessem sido tomadas certas medidas diligentes;
- A falta de energia devido a problemas da rede pública de fornecimento da mesma não é um facto imprevisível, em termos de normalidade, dada a vulgaridade com que ocorre;
- A A. fornecedora de banquete de casamento, não podendo evitar a sua ocorrência, podia e devia evitar as suas consequências, os efeitos do facto ocorrido;
- A A., para o referido evento, para acautelar qualquer falha de energia, disruptora do mesmo, o que veio a ocorrer, dispunha de um gerador nas suas instalações, que assegurava as situações de falha de electricidade, mas que não funcionou durante 2 horas, quando a electricidade falhou no início da hora do almoço, levando a que o local ficasse sem luz, e consequentemente ficassem sem funcionar o ar condicionado (especialmente importante no Verão, altura do banquete de casamento, tratando-se de serviço comum e conveniente neste tipo de actividade, que visa assegurar o máximo conforto em eventos únicos e irrepetíveis desta natureza), e qualquer outro tipo de refrigeração, como frigoríficos e montras;
- Tratou-se, pois, de uma vicissitude própria da contraente A., devedora, (falha/anomalia do seu material utilizado no dia do evento), que integra a sua “esfera de risco”, implicando uma sua imputação culposa, pois estava no seu poder de controlo a possibilidade de prevenção ou de minimização dos efeitos desconfortáveis e desagradáveis que vieram a produzir-se no aludido banquete de casamento, e perturbadores do conjunto das pessoas, noivos, família, amigos e restantes convivas, que nele participavam;.
- Tendo, por outro lado, a A. cuidado de alugar outro gerador, para a eventualidade de o seu não vir a funcionar, contudo, dispensou-o por volta das 22 h, sendo que cerca das 23.30 h ocorreu nova falha de luz relacionada com o seu gerador, o que não devia ter feito até ao final do evento, por cautela face ao previamente ocorrido, pois poder-se-ia ter evitado a segunda falha de luz, certo que as falhas de electricidade foram responsáveis pela interferência séria e grave no serviço prestado pela A;
- Ou seja, a A. não adequou a sua conduta à previsibilidade do facto/evitabilidade do efeito, podendo, pois, afirmar-se, neste caso, que o efeito da pretensa força maior podia e devia ter sido evitada caso tivessem sido tomadas certas medidas diligentes, o que a A. não levou a cabo;
- Nestas circunstâncias, os pressupostos atinentes ao caso de força maior não se mostram reunidos.