Abuso sexual de crianças. Agravação. Relação familiar entre a vítima e o agente do crime abuso sexual de menores dependentes. Vítima confiada ao agente para educação ou assistência. Violação. Constrangimento

ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS. AGRAVAÇÃO. RELAÇÃO FAMILIAR ENTRE A VÍTIMA E O AGENTE DO CRIME ABUSO SEXUAL DE MENORES DEPENDENTES. VÍTIMA CONFIADA AO AGENTE PARA EDUCAÇÃO OU ASSISTÊNCIA. VIOLAÇÃO. CONSTRANGIMENTO
Recurso Criminal nº
76/18.4PBCBR.C1
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data do Acordão: 04-03-2020
Tribunal: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J3)
Legislação: ARTS. 171.º, 172.º, N.º 1, 164.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B), E 177.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CP
Sumário:

  1. Com a circunstância agravativa de a vítima “se encontrar numa relação familiar” com o agente, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º do CP (redacção da Lei 59/2007, de 04-09), constitui pretensão do legislador alargar o âmbito da agravação às situações em que entre ambos exista uma proximidade ou intimidade semelhante às dos parentes, retirando o segundo partido da natureza da relação, não obstante por via dela lhe ser mais exigível uma conduta adequada ao direito, condição que aumenta o desvalor da acção, justificando, deste modo, a agravação.
  2. Consequentemente, ocorre a dita agravação quando o arguido, casado com a mãe da sua vítima, comete o crime de abuso sexual de crianças p. e p. no artigo 171.º do CP.
  3. O elemento típico objectivo, previsto no n.º 1 do artigo 172.º do CP, traduzido em a vítima ter sido confiada ao agente para educação ou assistência, inclui a “relação de facto”, ou seja, aquela que não deriva imediatamente da lei, de decisão judicial e/ou administrativa.
  4. Integram-se nessa relação, inter alia, os casos, com o verificado no caso concreto dos autos, em que o padrasto da vítima lhe prestava, aos mais diversos níveis, assistência, concretizada, nomeadamente, no facto de a tratar como se sua filha fosse, representando-o a menor como sua única referência paternal.
  5. O simples dissentimento da vítima, dependendo das vicissitudes de cada caso, pode integrar o tipo objectivo do crime de violação p. e p. no artigo 164.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CP (versão anterior à da Lei n.º 101/2019, de 06-09), posição que garante apoio na actual redacção do n.º 3 daquele diploma.
  6. Deste modo, ocorre “constrangimento” quando existe manipulação da menor pelo agente, a partir da idade de seis anos de idade da primeira, que se desenvolveu e sedimentou ao longo de um período muito alargado de tempo, até a mesma, já com vinte e um anos, sair de casa. Trata-se de um constrangimento passado e presente, explicável por via da proximidade familiar, própria da filiação e da dependência económica, do cerco que o arguido lhe montou em termos de condicionar o relacionamento próprio de uma criança, de uma adolescente e, por fim, após atingir a maioridade, de uma jovem mulher, originando, continuadamente, na ofendida, consequências físicas e psíquicas determinantes do desenvolvimento de raciocínios “deprimentes”, adensado com o decorrer dos anos. 

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