Abuso de direito. Desequilíbrio no exercício de posições jurídicas. Direitos reais. Princípio da tipicidade. Litigância de má fé
ABUSO DE DIREITO. DESEQUILÍBRIO NO EXERCÍCIO DE POSIÇÕES JURÍDICAS. DIREITOS REAIS. PRINCÍPIO DA TIPICIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
APELAÇÃO Nº 102/11.8TBALD.C2
Relator: LUÍS CRAVO
Data do Acordão: 09-01-2017
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – ALMEIDA – JUÍZO C. GENÉRICA
Legislação: ARTS.334, 1306 CC, 542 CPC
Sumário:
- Ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
- Uma das modalidades que dogmaticamente se tem considerado configurar abuso do direito é o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, que se pode definir como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).
- À luz deste instituto jurídico deve ficar impedido o exercício do direito do A. – de demolição da parede da casa de habitação dos RR. a poente, bem assim a reposição do muro/parede divisória pré-existente e restituição da faixa de terreno do prédio do A. com a construção ocupada – por se constatar um desequilíbrio grave entre o beneficio que da procedência dessa pretensão poderia advir para o titular exercente (o A.) e o correspondente sacrifício que é imposto aos aqui RR. pelo exercício de tal direito.
- Dada a tipicidade dos direitos reais, consagrada no art. 1306º, nº1 do C. Civil – «Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional» – o uso e fruição concedidos pelos 1os RR. sobre uma área/faixa de terreno, a favor do A., na medida em que constitui um parcelamento do direito de propriedade daqueles, que não se adequa a um dos figurinos legais previstos, tem natureza obrigacional.
- A condenação por litigância de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave (cf. art. 542º, nº2 do n.C.P.Civil), na violação do dever de boa fé processual que deve pautar a atuação da parte que litiga em juízo.
- Para efeitos de litigância de má fé, “alterar a verdade dos factos” significa que a parte queira convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é, sendo que estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo por que ela pugnara.
- Assim, deve ter lugar uma condenação neste quadro quando seja seguro que ao alegar como alegou, a parte tenha, com dolo ou negligência grave, designadamente, faltado ao dever de verdade (al. b) do nº2 do dito art. 542º do n.C.P.Civil).